Um jabuti havia na casa da tia Zica, irmã da vovó Sinhá, casada com o querido tio Langleberto Pinheiro Soares, nosso amoroso general, que falava sempre:
“Gosto muito do seu avô Moisés, tivesse eu uma só camisa, e Moisés nenhuma, eu tirava a minha e dava pra ele.”
Pois bem, havia um jabuti na casa da tia Zica, e o jabuti morava no jardim. A gente adorava a casa da tia Zica e olhar o jabuti. Um dia tia Zica falou:
— Quer o jabuti?
— A senhora tá dando?
— Tô
Levamos o jabuti, e ele ficou morando em nossa casa, no jardim. Nossas três crianças, minhas e do Josino, amavam o jabuti. Quando Flavia, a menor, passou a mão nele pra acarinhar, recolheu as patas na casaca, e Flavia falou:
“Mãe, o jabuti mora é no casco dele.”
Andreia a mais velha, Claudia a do meio, e Flavia, assuntavam que nome dar ao bicho. Resolveram chamá-lo Cágado. E um dia nossa querida amiga, a Wilma, aquela que ficava vigiando o jabuti, junto com nossas três filhas e as quatro dela, falou:
“Legal esse bicho.”
Aí eu disse:
— Quer o jabuti?
— Você está dando?
— Estou.
E Vilma levou Cágado e o deu anos mais tarde pra Solange, que deu pra Tereza. Cágado ainda está com Tereza, que já é uma senhora com cabelos brancos e dignos, e os acontecimentos já passam com certeza de cinquenta anos. Dizem que os jabutis chegam centenários e fortes. É o que garante Tereza, que se apegou ao bicho.
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ELIANE ACCIOLY – É psicanalista e artista. “Aprendiz. Vivo os intervalos. Viver é surpreendente. Em certa pequena medida criamos nossas vidas. Não posso mudar o mundo, mas parcelas da vida e do mundo sim.”
O Cágado é solteiro?
Pergunto isto porque ontem saiu uma matéria, na Folha, sobre um casal de tartarugas que estão juntos há 123 anos, numa boa relação até aqui, quando, senão quando, Bibi, a fêmea, deu uma mordida fenomenal no casco do Poldi, até tirou sangue.
Parece que ser solteiro é uma boa opção para o Cágado. Vai que…
Quando pequenos, meus irmãos e eu, sempre achávamos muita graça nessa palavra: Cágado! Em casa, tínhamos dois… Para nós, além de Cágados, eram Tartarugas e também Jabutis – sem rigor, usávamos essas palavras todas como sinônimos.
Aqui no conto, o mais engraçado é justamente o nome da espécie colocado no bicho.
Tipo: qual o nome dessa Girafa? Girafa! Ou então: Como se chama esse Gnu? Chama-se Gnu!
E assim por diante.
Espantoso: nossos jabutis não tiveram nome. Por que será??
Nem Armando; nem Nicolau… Nem Dorothy, pra rimar, como solução. Nada de nada!
E mais espantoso: nunca me espantei com isso. Mas só até agora!
Daqui por diante, espantar-me-ei.
Mesóclise! Poderia ser o nome de pelo menos um deles…
Silogismo, o segundo…
Porém, é só uma sugestão (retroativa!).
Too late… Dor!
Também tivemos um cágado, um laguinho de pedras e um grande jardim que o cercava.
Também filhos em casa que também descobriram, encantados, que a casa do bicho era a sua casca dura.
NAo sei dizer se cágado é maior do que jabuti e muito maior do que tartaruga. O que sei é que o bicho que nos deram era de um tamanho descomunal. O melhor, quando aparecia, era que se confundia com as pedras quando vinha para beber água no laguinho.
O curioso, e parece ser o destino deste bicho, trocar de lar depois de longos anos vivendo tranquilo na casa das outras pessoas . Outra curiosidade é que sempre recebemos o novo morador dado pelo proprietário anterior. Talvez porque, justamente, o cágado carrega sua casa junto! ( Mobilidade urbana para um bicho tao lento!)
Mais curioso ainda, diferente de um cachorro dado, um gato ou bichos com asas, os cágados somem por semanas se não meses e não há como achá-lo, portanto não dão trabalho algum. Porque então desfazer-se dele? diferente de outros bichos dados ou comprados. Até o peixe dado pelos pais ou em aniversários como lembrança – se arrependem e ou torcem o nariz porque sabem que serão eles que terão que alimentá-lo diariamente. Para a criança passou a graça. Assim com hamsters, passarinhos e…cachorros. Promessas de crianças duram pouco!
Para o cágado, contrariamente, lembro que as minhas crianças colocavam diariamente ou banana ou tomate, mamão e folhas de alface imaginando-o com fome constante, mas geralmente apodreciam porque o bicho certamente foi destinado pela natureza a não precisar se alimentar para crescer e ou sobreviver.
Sempre quis ter um cágado e tive várias tartarugas, desde criança, que sumiam deixando um rastro sem marcas de muita saudade.
Engraçado, pensando bem, porque ficar com saudades de um bicho que só o fato de “dar o ar de sua graça” de vez em quando já nos deixa felizes? )
Gosto do seu andar que dizem lento. Não é! Não só somem como fogem, e fogem rápido para se esconderem não se descobre aonde. Imagino que gostamos desses bichos por nao darem trabalho algum, deixar a criançada interessada na pré-história lembrando da onde viemos e talvez porque o cágano traz uma paz igual aquela que encontramos ao meditar através do som do HUM HUM HUM budista.
Talvez por isso me apeguei tanto àquele bicho imenso que me foi dado ( um caçador exímio que se mudava para um apartamento).
Sentindo-me triste ao escrever sobre cágados perdidos.
Mas aconteceu uma tragédia horrorosa com o habitante querido e silencioso do jardim de casa:
nosso labrador, Archer, deu-lhe uma mordida bem na sua jugular enquanto bebia água no laguinho matando-o na hora. Perdoamos Archer, afinal um caçador e decidimos enterrar nosso cágado
no jardim. Tempos depois, quando de uma reforma no próprio, o jardineiro desenterrou sua carcaça monumental. Nova comoção. Nesse momento foi quando nos demos conta que não sabíamos como nos referir à saudade agora carcaça do bicho sem Nome Próprio. E foi assim que o nome ficou sendo “O Cágano, ao nos referir à ele e depois juntar: lembra dele?” (Sergio bem que sugeriu este nome).
O Cágano uma “presença” escondida, por anos, tão próxima à nós, faz com que não seja impossível meus filhos terem adormecidos mais seguros sabendo que aquela estranha e monstruosa figura estava escondida , velando -os , visível apenas para os vaga-lumes. Vai saber!