Fim da década de 50. Eu, de família italiana, morava na alameda Itú, quase esquina com a Alameda Casa Branca. O bairro era tranquilo, arborizado, perto do Parque Trianon. Havia um certo clima de cidade pequena que convidava a vizinhança a se aproximar. Na Alameda Casa Branca, duas famílias chegadas recentemente da Itália se instalaram em casas próximas, perto de outra família não italiana, mas européia. Essas três famílias tinham filhos adolescentes, assim como eu e minhas irmãs. Tínhamos entre 15 e 18 anos.
Muito tímida, não sei como repentinamente formamos uma turma. Éramos 5 meninas e 5 meninos que formavam um grupo fixo, mas vez ou outra apareciam amigos de algum de nós e completavam a turma.
Nos reuníamos quase toda semana para dançar. Cada vez em uma casa.
A maioria das músicas era italiana: Volare, Sapore di sale, Datemi um Martello, Champagne, Io che non vivo senza te….
Que delícia!
Quando minhas colegas do colégio aniversariavam faziam uma festa baile e me ligavam convidando. No final do telefonema, um pouco constrangidas todas diziam:
– Você pode trazer os italianos?
Eles sempre aceitavam e íamos a turma toda. Eu entrava acompanhada das meninas e daqueles garbosos rapazes que enfeitavam e animavam a festa, me sentindo muito orgulhosa dos meus italianos!
Surgiram amores entre nós. Alguns pares dançavam de rosto colado, outros se beijavam, mas eu não! Eu era travada, dançava um pouco afastada, rígida e trêmula. Nunca despertei ou facilitei qualquer manifestação de interesse nos italianos.
Alí eu era a estrangeira. Sentia-me um pouco desconfortável e deslocada, embora ao mesmo tempo muito feliz por estar ali.
Por outro lado, tive duas ardentes e platônicas paixões, mas os dois italianos só souberam disso muitos anos depois, já todos adultos e casados, quando, em um reencontro, contei das minhas paixonites. Rimos muito, mas relembrei que sofri por causa deles.
Dois pares que se formaram acabaram casando…. justamente aqueles dois!
Aos quarenta e poucos anos, um amigo psiquiatra me diagnosticou portadora de fobia social! Como assim? Parece incrível, mas logo me identifiquei. Esse diagnóstico me trouxe uma certa compreensão sobre mim e me fez entender aquela sensação de ser “gauche” na vida.
Pena que perdi o rosto colado e os beijos que poderia ter dado naqueles belos italianos!
Nunca é tarde demais.
Bacio.
Que delícia de crônica. Eu li ao som de “Io che non vivo senza te”…
Eu tenho lembranças da minha adolescência bastante tímida e o sofrimento inevitável…ah se eu pudesse voltar lá atrás, heim.
Beijos
Divertido seu texto…. A começar pelo título que já prende o leitor.
Reminiscências nem sempre são agradáveis pra quem as conta, mas são sempre literárias e interesantes pra quem as lê. Parabéns pelo texto, Silvia.
Vizinhos, bailinhos, namoricos e sobretudo uma garota travada, mais alta do que os meninos, tomando chá de cadeira nos bailinhos de sábado à tarde.
Que bom que crescemos e viramos cisnes, né Silvinha?
Texto delicioso!
querida silvia ancona lopes,
porque preciso acrescentar o ancona lopes ? . Não sei ,mas uma hipótese é que lembro claramente A Família Ancona Lopes.
Pai que vos deixou cedo demais. Meu primeiro contato com a morte e o vazio da sua casa com a perda.
Ele nao era mais baixo que sua mãe? Nao lembro a sua profissão. Talvez nao soubesse entender à época quantas profissões existiam, Eu só conhecia fotógrafos.
Sua mãe era uma linda morena, alta e recordo – um pouco redonda> ou me engano? muito amorosa e silenciosa porém só na sua casa os bailinhos eram benvindos. Sua mãe foi sábia ! “Sua mãe deixava!” . Ela uma vencedora que criou sozinha vocês cinco, uma casa que sempre me pareceu mais agradável, confortável e tranquila do que a minha: a 363 da casa branca. ( aliás hoje um livrinho no qual v. provavelmente reconhecerá as famílias do bairro).
Eu achava a sua mãe muito melhor do que a minha. Voces usavam vestidos confeccionados – novos – por vossa avó – como lembro dela encurvada naquele espaço envidraçado do segundo andar!! – o mesmo andar onde os bailinhos aconteciam. Era perto da cozinha, nao é nao?
Dançava-se no hall da entrada, grande, a escada para os quartos em frente e sua avó a mais forte lembrança. Que figura! Naquela época nao se perguntava da onde viera, nao interessava. ( Me interessaria hoje!). Me engano ou nunca abandonou o seu luto?
Curioso o que me vem a mente nesse instante: apesar dos bailecos, musica romântica – que só italianos sabem compor,. Talvez v. concorde: os nossos italianos e nossas impressões uns dos outros, acho hoje que os lares eram tristes. Ou me engano novamente, a memória em passo falso? Da minha parte nao sabia ainda o que é tristeza de verdade
Mas voltando, sua mãe era melhor do que a minha porque sempre usei os vestidos dela, remodelados. ( Deve ter sido a guerra – afinal ssou de 45 – dos imigrantes… se nao for esta a razao, serve como desculpa da minha – também – timidez sobre possíveis e nao aproveitados namoricos de rosto colado que nao ousei vivenciar. Estávamos todos inseguros e aprendendo a namorar, talvez por isso casamos mal.
Os italianos: eu gostava do F. que acabou casando com a filha da professora de latim e italiano do Dante. que morava na mesma rua que você e dava de cara com o muro do Dante. Nunca entendi porque ele nao casou comigo!!!
Mas falando no Dante. Eu o amava mas sai na quinta serie – nao sei porque me mandaram para a longínqua Europa da qual voltei sem ter vivenciado mais os bailinhos na sua casa, sem mencionar o precioso tempo de aprendizado perdido dos beijos “na boca” no escurinho do seu hall de entrada.. O piso era de mármore bege?
Sua casa era a mais bonita, em estilo clássico. Grande e espaçosa que só rivalizava com a casa daquele eu teria gostado de dançar chick to chick!
Voces estudaram no Sion, foi isso ? Lembro da Marilia entrando na faculdade, depois você; nao acompanhei nem a Lilia, a terceira – que hoje terá a mesma idade que eu mas , era com você Silvia, que eu conversava sobre a vida de então. Provavelmente sofrimentos afins, seu sorriso meio que escondido. Tampouco convivi com a Tita, como caçula que era e nao frequentava os bailecos. Seu irmão, o único louro da família, – ou me engano? – que sempre me impressionou com seu silencio e dedicação à sua vocação. religiosa. Marilia, a primeira que casou. A primeira a entrar na faculdade. A primeira em tudo! Fantasio ou ela velava sobre todos?
Minha inveja de seu lar era grande – aliás igual aquela que dedicava à minha vizinha de muro, irmã de quem eu me apaixonara. Voces tinham um lar alicerceado e acredito que nao eram consciente disso ! É necessário um lar desarrumado para perceber a diferença. Voces puderam escolher entre o clássico e o cientifico privilegio que nao me foi dado. Eu queria ser igual aos italianos com suas vidas regradas, estabilizadas. ( talvez eles nao achavam, mas eu assim acreditava )! !
Descobrimos, muito mais tarde, que a felicidade ,como vendida, nao tem para ninguém, mesmo se tivéssemos dançado muito,, beijado muitos ,conhecido nossos corpos com os italianos, franceses, brasileiros, enfim, com o resto do mundo. Nosso universo era redondo e muito gostoso de ser lembrado. porque exclui as más memórias que passam a ser lembranças narradas no sofá do analista. E lá que se sofre. Nao nos bailecos de sua casa.! De lá só saíamos confundidos com nossos desejos.
Sim, o céu era de brigadeiro apenas com pequenas nuvens cinzas salpicadas = inversões que recebíamos e nos faziam achar que éramos os únicos travados. Todos éramos! Podes crer! As meninas moças que nao o eram, os meninos definiam como “galinhas” lembra?
um beijo muito afetuoso para todos Ancona Lopes, pleno de bons momentos e esperanças. Obrigada Silvia por trazer o que foi para estas “mal traçadas linhas” da nossa juventude.
sempre
Betty Scheier
Silvia querida
Que delícia de crônica!
Beijos
Paula BORELLI ( mãe da Isabella, amiga da So).