#avozices
Vó,
por Bettina Lenci

-“Vó, cuidado, tem um degrau ali”! 

– “Vó, deixa que eu carrego”!

-“Vó, eu te acordo quando for a hora”!

-“Vó, deixa que eu pego pra você”!

-“Vó, pega no meu braço”!

Ainda enxergo bem.

Ainda tenho força para carregar uma sacola.

Ainda ouço o despertador.

Ainda levanto para pegar um café.

Ainda atravesso sozinha a rua.

Mas não importa. Os avós são velhos por definição e, portanto, incapacitados para sobreviver, necessitam de uma boa alma para ajudar, no caso os netos.

Deixo que me ajudem porque seus temores são de verdade e porque são educadíssimos. Foram seus pais que lhes ensinaram a fazer assim. Necessitando ou não, fazem isso espontaneamente.  

Não aceitando a ajuda, eu os frustraria na sua sincera intenção.

Mas nem sempre é assim que ocorre. Lembro com nítido desgosto o dia em que tentei dar o braço a minha mãe e ela o rejeitou irritada. Hoje entendo que pessoas mais velhas não queiram ser ajudadas porque isso significaria uma derrota. Derrota inaceitável para uma pessoa cuja capacidade física ainda permite ser independente. Provavelmente a reação, que pode parecer soberba, não é nada mais do que a vontade – e ilusão – de se manter viva por mais tempo.   

Curiosamente, o fato ocorrido com minha mãe se deu quando ela estava mais ou menos na mesma idade em que me encontro hoje, simultaneamente mãe e avó. 

Por que rejeitar a ajuda dos filhos, mas não a de netos?  Há um descompasso de tempos e sentimentos que intrigam. Por que negar aos filhos a percepção de que se está menos capaz de acompanhar o ritmo de vida?  

Outro dia, meu filho mais velho, sentado no sofá, enquanto eu preparava café, disse: “mãe, percebo que você está envelhecendo, você não é mais a mesma!” 

Naquele momento tornei-me de algum modo sua avó e não mais sua mãe! 

A partir daquela expressão sincera, pura e sadia, aceitei seu braço para atravessar a rua na faixa, ele esperando para se certificar que o carro se encontrava parado. Nunca mais deixou meu braço. Ele já estava envelhecendo também!    

6 comentários

  1. Relendo sua crônica 3 anos depois da que escreveu em 2019, Bettina querida, o tempo passa, mas o que parecia há tempos, continua sendo verdade…

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