Carlos de Castro Clube dos Escritores 50 mais Carlos de Castro Escondendo o jogo

história a partir de uma foto,
por Carlos de Castro

Tarde de sábado. Hora de desligamento invade as pessoas, por dentro e por fora. A desconversa da luta pela vida retrai, se esconde nas rugas da testa. Já não fere, escamoteia.

Perguntas na cabeça giram só sobre pedras, escondem lances, alternam saídas. Sem perder a malícia, a mandinga e a praga na mão do adversário, brinca-se de guerra e de estratégia militar de boteco. Até a sombra esquenta. A cerveja já vem, é preciso regular: dinheiro curto e ninguém mais tem saúde de menino. Não que seja o caso de ficar a seco, não, não – isso só na cabeça de doutorzinho pentelho.

Hora de embaralhar pedras, hora de espreguiçar, libertar alguns devaneios da mente. Mané “Pé de Sapo” lembra da época de moleque em que jogavam botão. Botões de casaco de pai e de vestido de mãe. E os celuloides que ele, mais Tobias e Paulão, conseguiam arranjar nas relojoarias do bairro. Opa, uns cinquenta anos pra trás, meu.

Botão, dominó, jogos de poder, de equilíbrio. Desconfianças, desafios, investigação de limites e pensamento mágico, puro pensamento mágico. Peças na mesa – o tabuleiro de damas perde a função original, transforma-se em pano de fundo xadrez, desaparece sob raios que fulminam as pedras.

Dos quatro à mesa, só um esconde mesmo o jogo. Como na vida, foge de aliados e espiões, prefere o subsolo, escorrega até de mulher amante, quem diz. Sabe as pedras de cor, decifra e desentranha o desenho do jogo, investiga mãos externas e prende a sorte. Oculta movimentos, embuça segredos e não expressa nadinha, nadinha. Só ele mesmo – até esqueço o nome – semeia trepadeira em pernas de vizinho, manobra futuro e leva os trocados apostados. Engaveta e faz crescer revolta camuflada de remorso, re-sentimentos.

Até que alguém chega com a danada. Motivo natalício, distribui a dona branca, engasga-gato. E todos bebem da purinha, tafiá malvada. Não tem miséria, nem pro santo. Cachaça de rolha – quanto quiser. O Bento oferece a linguicinha no álcool…

Sorrisos que se abrem, retrancas escancaradas – já não há porquê. Que defesa, que nada, sô. O forra-peito brilha. Abre corações, fecha o embate.

Tira a mão, desafasta! Suspensa a rinha.

Agora só amores de ontem se permitem. Outros de fora não entram, carece mesmo é de procurar a morena. Achar repouso.

Instante um. Brincadeira de criança.

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