Clube dos Escritores 50+ Eunice Maciel NATAL NO PANTANAL Imagem gerada por IA

#históriasdeNatal
Um conto de Natal no Pantanal, por Eunice Maciel

Me conta uma história de Papai Noel? – pediu João à sua mãe.

Catarina, percebendo a chance de ouvir uma boa história, veio sentar-se junto aos dois. 

Era noite, e a família encontrava-se num hotel-fazenda na região do Pantanal, onde passariam o Natal. Tinham tido um dia maravilhoso, ao ar livre, e as crianças estavam fascinadas pela paisagem diferente de tudo que conheciam.

Viram, juntos, vários tipos de pássaros, se encantaram com as araras azuis, andaram a cavalo, e bateram os pés contra a madeira do deque na beira do pântano para fazer emergir cabeças de jacarés atraídos pela vibração produzida pelas batidas.

Ouviram, contadas pela guia do grupo, histórias de onças que vinham à noite se alimentar de outros animais, e ficaram sabendo que não era raro aparecer nas fazendas próximas um bezerro morto pelos felinos. Luiza achou a cena narrada pela guia um bocado forte, e João apertou com força a sua mão, mas as crianças pediram detalhes sobre as onças e sobre os animais devorados por elas. 

Agora, João e Catarina estavam por demais excitados para dormir, e Luiza achou que seria uma boa ideia contar a eles uma história para acalmá-los.

– Eu não trouxe nenhum livro de Natal…

– Conta da sua cabeça!

– Da minha cabeça… uhmm… Aqui vai.

“Era noite de Natal e Papai Noel se preparava para sair dirigindo seu trenó puxado por renas, carregado de presentes. Fazia frio lá fora, e a paisagem estava toda branca de neve…”

– Papai Noel vem no trenó até o Brasil? – interrompeu João. As crianças estavam crescendo e já não aceitavam qualquer informação sem questionar os fatos.

– Claro que não – Paulo chegou na hora certa para mudar o rumo da história. – Esse é o Papai Noel que mora no Polo Norte. Ele não dá conta de entregar todos os presentes para todas as crianças do mundo, então outros Papais Noéis ajudam o principal para que nenhuma criança fique sem presente.

– E todos eles andam no trenó puxado por renas voadoras? – Era a vez de Catarina perguntar.

– Não, não! – continuou Luiza, que, graças ao marido, tinha novamente o controle da história. – Aqui no Pantanal, por exemplo, ele vem puxado por onças mágicas que voam pelo céu.

– Demais!!!!!!! – dois pares de olhos bem abertos fitavam Luiza que, tarde demais, percebeu que a história estava tendo o efeito inverso ao esperado, que era fazer seus filhos dormirem.

– E essas onças não comem os bezerros das fazendas?

– Não. Elas são bem alimentadas antes de saírem de casa, e sabem que têm que se comportar se quiserem continuar trabalhando para o Papai Noel. Além disso, são mágicas!

– Eu quero ver uma onça mágica – falou João pulando do colo de sua mãe e indo até a janela. Catarina foi atrás.

– Voltem já aqui! Papai Noel só vem quando estão todos dormindo.

As carinhas de desapontamento aumentaram a determinação de Luiza de caprichar na história.

“Na noite da nossa história, véspera de Natal, dois irmãos que moram numa fazenda aqui perto, resolveram ficar acordados, esperando para ver o Papai Noel. Ele já tinha entregado todos os presentes, em todas as casas, só faltava entregar os dois últimos antes de poder ir descansar.”

– Onde mora o Papai Noel que entrega os presentes do Brasil? – João não continha sua curiosidade.

– Ela sabe que a gente tá aqui no Pantanal? – Catarina, por sua vez, precisava ter certeza de que seria encontrada…

– Sim, o Papai Noel de São Paulo avisou ao Papai Noel do Pantanal, que mora numa fazenda não muito longe daqui. Eles são muito organizados. Como vocês acham que nenhuma criança fica sem presente? E agora, vocês vão me deixar continuar?

– Sim!

– Continua, mãe!

Paulo tinha ficado por perto para saber onde a história ia dar. Luiza era mesmo uma craque. Até ele estava curioso!

“Nessa noite, Papai Noel ficou voando em círculos sobre a casa dos meninos sem poder descer, esperando as crianças irem para a cama…”

– E ninguém viu?

– Ninguém viu. Estavam todos dormindo, com exceção dos dois irmãos, e as onças mantinham a charrete sobre as nuvens…

– Mãe, é trenó ou charrete?

– Trenó é usado onde tem neve! Aqui tem que ser charrete, com rodas para a hora do pouso…

– Ah, tá!

“As onças já estavam ficando cansadas e o Papai Noel com muito sono. Não podia jogar os presentes lá do alto que iam acabar se quebrando. Decidiu, então, aterrissar a charrete num local onde não pudesse ser visto e caminhar até a casa dos dois. Uma vez lá, ele pensaria o que fazer.

Chegando na beira de um pântano, quase foi atacado por jacarés, e teve que contorná-lo, o que fez com que ele perdesse muito tempo. As onças mágicas, depois de uma noite inteira de trabalho, já famintas, começaram a ficar impacientes. Estava escuro, e Papai Noel caminhava com cuidado para não pisar num espinho ou formigueiro…”

– Papai Noel não usa botas?

– Não no Pantanal. Faz calor, esqueceram?

– Como ele se veste, então?

– Camiseta e calça fresquinha…

– Vermelha?

– Sim!

– E ele tem barba?

– Sim, claro que sim!

– E é barrigudo?

– Sim, claro, todo Papai Noel tem barba e é barrigudo. Posso continuar?

– Pode!

Quando ele estava perto da casa ouviu um latido e viu um grande cão de guarda vindo em sua direção. Assobiou para que as onças viessem ajudá-lo pois estava cansado demais para correr, e a barriga também não ajudava, mas as onças tinham acabado de ver um bezerro bem grande e, com fome, sorrateiras, se preparavam para devorá-lo. Nessa hora, o bezerro viu as onças e saiu correndo. Elas levantaram voo em sua perseguição, mas a charrete, presa a elas, não deixava que voassem suficientemente rápido. Enquanto isso, Papai Noel tentava escapar do cachorro bravo. Por sorte, havia uma escada encostada no tronco de uma árvore, e papai Noel, subindo nela, agarrou um dos galhos da árvore pouco antes do cachorro bravo alcançá-lo, e ficou ali enganchado, escondido entre as folhas.

A porta do chalé se abriu e o pai dos meninos veio ver o que estava acontecendo. As crianças vieram atrás. O cão latia sem parar para a copa da árvore, e se jogava contra seu tronco. Duas araras azuis, incomodadas com tanto barulho, levantaram voo, e o cachorro foi atrás, latindo para elas.

O pai brigou com os meninos “O que vocês estão fazendo acordados? Vão já, já para cama!” 

As crianças obedeceram a contragosto. Queriam esperar pelo Papai Noel, mas estavam sonolentas, seus olhos ardiam, pesados, e os primeiros raios de sol já apareciam por detrás das árvores. Entraram em casa, mas, antes de irem para seus quartos, foram até a árvore de Natal para dar uma última espiada.  Nada de presentes. Entreolharam-se, desanimadas.

Papai Noel, já de volta à charrete e depois de ter dado uma bela bronca nas onças mágicas pela tentativa de devorar o bezerro, e sabendo, como só os Papais Noéis podem saber, que as crianças já estavam dormindo, finalmente pôde chegar perto da casa e deixar os presentes que faltavam.

O céu já estava claro quando ele manobrou a charrete para levantar voo, mas seus olhos ardiam de sono e, justo na hora da decolagem, eles se fecharam por um segundo. As onças, também elas cansadas, calcularam mal a altura do voo e a roda da charrete bateu com força na parte de cima do telhado.

Papai Noel se assustou, as onças se assustaram, o cachorro voltou a latir, os meninos e seus pais acordaram com o barulho. As crianças pularam da cama e correram para fora de casa, ainda a tempo de ver o que lhes pareceu ser uma grande ave, estranha e desengonçada, subindo, entre as nuvens, em direção ao céu.

Teria sido a charrete do Papai Noel? Eles não tinham como saber. E, também, pouco importava. Ao alcance dos olhinhos sonolentos, debaixo da árvore de Natal, estavam dois grandes pacotes embrulhados num papel verde escuro com estrelas douradas e um grande laço de fita vermelho!”

Luiza parou de falar e sorriu para os dois.

– Acabou, mãe?

– Sim. E agora já pra cama se não quiserem que a charrete do Papai Noel fique rodando sobre o hotel sem conseguir entregar seus presentes.

– Então, vão dormir, vocês também… – Catarina pediu aos pais. Precisava ter certeza de que ninguém ficaria acordado, dificultando a vida do Papai Noel.

Seus pais deram um beijo em cada um, apagaram a luz e encostaram a porta.

O hotel ficou em silêncio, e o barulho dos bichos noturnos tomou conta da noite. Barulhos do Pantanal.

Algum tempo depois, Paulo entrou no banheiro onde Luiza lavava o rosto e escovava os dentes. Abraçou-a por trás, enlaçando-a pela cintura, e deu parabéns pela história.

– Onças voadoras puxando uma charrete? Luiza você é demais! Teria sido mais fácil inventar uma história se tivéssemos ido passar o Natal em um glaciar da Patagônia, ou em qualquer outro lugar com neve.

Luiza ficou um tempo em silêncio. Quando se voltou para o marido seus olhos estavam cheios de lágrimas.

Paulo a abraçou com força, adivinhando seus pensamentos, e sentiu uma pontinha de tristeza. Colocou o dedo indicador na frente dos lábios da mulher, indicando que ela não precisava se explicar, mas ela falou mesmo assim, o que ele não queria ouvir. 

– Paulo, acho que está na hora de contar para as crianças, com todo amor e cuidado, que o Papai Noel não existe…

Era duro perceber que este seria um dos últimos anos – se não o último – que seus filhos viveriam, ainda plenamente, a magia do Natal.

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