Últimos Leitores
Corria uma tarde modorrenta de segunda feira. Fim de expediente. Peguei o carro e já seguia no automático retorno para casa quando me lembrei de uma nota no jornal sobre uma palestra no auditório da Livraria Cultura da avenida Paulista. Começaria às 19:00. O palestrante? Ricardo Piglia, que estava lançando por aqui seu livro “O Último Leitor”. Eu havia lido alguma coisa desse escritor argentino – também crítico e professor – e tinha ficado bem impressionado. Sem dúvida seria legal assistir essa palestra. O trânsito daquele final de tarde, entretanto, jamais me permitiria chegar a tempo.
Movido porém por alguma força que brota da paixão pelos livros, pensei numa alternativa. A princípio parecia meio maluca, mas resolvi tentar: larguei meu carro num estacionamento próximo à estação Butantã e corri para o Metrô. Desci na estação Paulista, dei um pique pela quadra que me separava do destino e, incrível, cheguei à porta do auditório Eva Hertz faltando cinco minutos para o início. Consegui um dos últimos lugares. Desconfio que só realizei essa missão impossível ajudado por algum deus grego. Hermes? Quem sabe…
O fato é que valeu muito a pena. A entrevista/palestra de Piglia foi ótima. Falou sobre a importância do leitor e, especialmente, da figura do tradutor e sua relação “muy intima” com a obra literária, a saborosa história da tradução de Dom Quixote para o chinês e outros “causos” que fizeram aquela hora e meia passar voando. O tema e o trabalho de Ricardo Piglia mereceriam uma exploração maior, uma resenha bem cuidada, enfim um destaque mais do que merecido.
Mas não é disso que quero tratar aqui.
Quero falar da Livraria Cultura. A lembrança da história acima veio na esteira da notícia que li no Estadão no recente sábado pré-carnavalesco: decretada a falência da Livraria Cultura. A matéria vinha ilustrada por uma foto em que representantes de editoras esvaziavam as estantes da livraria do Conjunto Nacional, antes que as instalações fossem lacradas.
Quero aqui soltar meu grito de protesto. Não podemos aceitar que erros estratégicos ou financeiros, imprevidências, ganâncias ou seja lá quais tenham sido os erros empresariais, possam destruir um patrimônio de nossa vida cultural. Templos dos livros como a nossa Livraria Cultura, especialmente a matriz no Conjunto Nacional da avenida Paulista, tem que ser preservados. Arrisco dizer que a ONU bem que poderia elevar essas livrarias paradigmáticas, cheias de história, a Patrimônios da Humanidade. Assim como a livraria Ateneo de Buenos Aires, a Lello do Porto, a Sheakespeare and Company de Paris e tantas outras pelo mundo.
Que empresários sejam punidos, reformem-se operações equivocadas. Que operações de ajuda sejam arquitetadas, vaquinhas virtuais, qualquer coisa! Que nosso ressuscitado Ministério da Cultura patrocine leis, decretos, medidas provisórias, PECs disso ou daquilo, o diabo.
Salvemos esse templo onde infinitas relações entre livros e leitores foram geradas, que tem servido de palco para inúmeros encontros com escritores, ponto de resistência das relações presenciais entre amantes da vida literária e do universo paralelo da cultura.
Resgatemos nossa livraria, não nos transformemos em seus últimos leitores!
Em tempo: depois que havia escrito soube pela imprensa que a Livraria Cultura conseguiu uma liminar suspendendo a falência. Há esperanças…
Vejo com tristeza o fim de uma era, adorava perambular pelas estantes folheando livros.
Carlos
que bom ler seu protesto!
Alguém se lembrou, sentou e escreveu sobre um marco cultural da cidade de SP cujo
percurso era possível prevenir.
Os tempos são estes: em qualquer lugar do mundo, ou nao se sabe ler,
ou nao se interessam por cultura. Quem sabe ler , se entristece ao ver o passado
engolido pelo presente; descuidado e imprevisível quanto ao amanhã!
Sim: fala mais alto o ganho no mercado financeiro enquanto
o resto -a maioria – emburrece! E nao creio ser só por aqui.
( ao meu ver, empresária que fui, acho que a livraria deu um passo maior do que a perna ao longo dos
últimos 3’\ 4 anos. Ou me engano?)
Eu tb era uma frequentadora daquele espaço da Paulista além da Cultura do Shopping Vila Lobos. Tristeza imensa mas os empresários, mesmo os da cultura tem que honrar seus compromissos e pagar suas contas. Mas, concordo, é uma perda imensa para a nossa cidade. Onde vamos poder escutar ao vivo os gdes escritores?
Bravo, Carlos. Que nos ajudem a salvar a Cultura, a de Sampa e a do Brasil. Há sim, um momento mais auspicioso.