Blog Clube dos Escritores Liliana Wahba Teatro grego

Teatro grego: os 90 dias da CPI, drama em 3 atos, por Liliana Wahba

ATO I – O Julgamento de Atená

Atená: Estamos no julgamento de tristes eventos entre os humanos.

CORO: Tristeza, desolação …

[Atená chama o Personagem]

Atená: O que testemunhaste?

Personagem: Testemunhar propriamente não, pois estava muito ocupado com tarefas essenciais à Nação.

Atená: Achas que poderias ter feito algo diferente?

Personagem: O que pode nossa precária vontade perante o desígnio dos Deuses?

CORO: Deuses! O que quereis dos homens por vós criados? O quê?!

Atená: chamo o sábio Tirésias: Tirésias, o que vês?

Tirésias: há os cegos e os surdos entre os homens.

Atená: E então?

Tirésias: há os que são cegos e também surdos.

Atená: Mas, e o futuro?

Tirésias: há ainda os cegos, surdos e descerebrados.

[Atená desiste e volta ao personagem]

Atená: Sentes culpa, remorso?

Personagem: O meu dever está em paz, o destino se interpôs.

[som de marchinha militar ao fundo]

Atená: O que farás a seguir?

Personagem: Volto ao nada de onde nunca saí.

CORO: Zeus! Esqueceste de dar cérebro aos homens.

Atená: Isto não está andando, deixo o Julgamento para as Erínias.

CORO: Oh! Deuses! Destino cruel; estupidez humana!

[som forte em crescendo de grasnado de corvos]  

                                           –  Fim do Ato I –

ATO II – O Julgamento das Erínias

As Erínias e um tribunal com diversos personagens: Presidente, Ministros, Senadores.

Erínias: antes de soltar nossas Fúrias, a pedido de Atená, escutemos os acusados.

CORO: as Fúrias são impiedosas.

Presidente: de que me acusam?

Erínias: mostram que expôs o povo à morte.

Presidente: quais são as provas?

CORO: jazem cadáveres nas ruas.

Erínias: há gravações que denotam indiferença.

Presidente: nestes tempos existem hackers que forjam tudo.

Erínias: os ministros testemunharam.

[Chamam os ministros que falam em coro]

CORO: eis uns que nos imitam.

Ministros: nada vimos, nada ouvimos de ilegal.

Erínias: dizem que houve gritante descaso.

Ministros: tudo que foi feito seguiu as mais nobres leis.

Erínias: podem dizer quais?

Ministros: a manutenção da ordem, sem a qual é impossível governar.

Erínias: e os mortos?

Ministros: eles não votam.

[Erínias chamam os Senadores]

CORO: escondam-se! Zeus está irado.

Senadores: somos homens das escrituras.

Erínias: não vos espantais com o descalabro?

Senadores: somente julgamos o que está devidamente protocolado.

Erínias: e o que vistes? O clamor do povo?

Senadores: vimos na TV muitos de motocicleta felizes e comemorando.

Erínias: e os outros!?

Senadores: quais outros?

CORO: As Erínias demoram a soltar suas Fúrias.

Erínias: perdição, danação, mandem todos ao submundo!

[som de trompetes em Sinfonia de Haydn]

                                     – Fim do Ato II –

ATO III – No reino de Hades

Personagem, Presidente, Ministros e Senadores.

Todos: Onde estamos? Há brumas e cheiro de fumaça.

CORO: queimadas vos perseguem! Infelizes eres.

Hades: aqui expiarão vossas culpas.

Presidente: não as temos, nossas intenções foram claras e consistentes.

Personagem: o que está acontecendo?

Ministros: seguimos ordens.

Senadores: aqui há algo que se possa legislar?

CORO: seguem ignorando! Perdição.

Presidente: exijo falar com um comandante fardado.

Hades: eres tolo ou tentas truques? Hermes me ensinou os melhores.

Ministros: somos úteis, dai-nos alguma tarefa.

Hades: Carregareis pedras de enxofre até a exaustão.

CORO: castigo aos infelizes.

Hades: e os Senadores ficarão despidos no limite das chamas ardentes.

Personagem: não me esqueçam, sigo o que for.

Presidente: com um cavalo me viro, ou uma motocicleta Harley-Davidson.

Hades: para ti um castigo exemplar … cantar o hino nacional sem parar junto aos comunistas que aqui estão.

CORO: Nêmesis é a Justiça, se não é feita no reino humano, será no divino.

O povo na Terra: agora sim, é Carnaval!!

[escutam-se sons carnavalescos]

                              – Fim do Ato III –

7 comentários

  1. Que delícia. Mas, bota delícia nisto…. Como a tragédia grega é eterna: serviu para ontem. serve para hoje e servirá para amanhã.

    1. Olá Eder, obrigada; diríamos, em vez de “rir para não chorar”, “rir para poder chorar”, porque nossa lágrimas gelaram

  2. Liliana, seu teatro é um espetáculo genial. Gostei muito mesmo, ainda que tenha explicitado o meu parco conhecimento sobre a Mitologia e Literatura greco-brasileira.

  3. Que maneira elegante de nos elucidar sobre o momento presente sem ter que usar os termos chulos aos quais estamos habituados, conformados com as mal escritas linhas ( mídia) que nada de novo nos contam!
    Como bem dizem os escritores do 50+: Nada de essencial muda, “nem aqui nem na China”, digo, no decorrer da História do Brasil( Estamos todos de acordo!
    Apliquemo-nos a aprofundar na Mitologia que tudo já sabia! ( nao no MITO, por favor)!
    Parabéns Liliane!
    carinho
    B

  4. Liliana, nesta tragédia greco-brasileira há silêncios. E neles o leitor (a) vê, escuta e pensa. Não sei explicar, estou vivendo.

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