O fato ocorreu em nosso território: no Nordeste brasileiro. Um fato histórico. Um equívoco que pode ser interpretado, severamente, sob o olhar ético. No século passado, a recém declarada República empreende uma guerra contra seu próprio povo quando da Batalha de Canudos (1897). Ao Euclides da Cunha descrever o episódio desta guerra infame, ele embute nas entrelinhas do texto o desdém, o desconhecimento que o Brasil tem do ethos e da moris.
Continuar lendoSuspiro, crônica musical de Leo Forte
Não sei se pelos últimos acontecimentos, ou pela minha idade avançada, recordei uma conversa com minha neta.
Ela tinha oito anos e estava na fase de achar “vovô sabe tudo”. Curiosa como sempre foi, fez uma pergunta peculiar para uma criança:
– Vô, o que é suspiro?
– Ora, querida, é aquele doce, doce, doce, que sua vó faz e sua mãe só deixa você comer um pouquinho.
– Não, vô, não o doce, aquele outro negócio que a gente sente, sei lá…
O túnel, crônica de Lourdes Gutierres
Lembrei-me do plebiscito da Noruega quando soube da construção de um túnel na Vila Mariana. Não há termos de comparação, afinal o que deu errado por aqui? Por que o povo é alijado de decisões que lhe dizem respeito? Penso na Ágora da Grécia antiga, mas isso também é sonhar demais, reconheço. Tapumes encobrindo o canteiro central da avenida Sena Madureira chamaram atenção dos moradores. Afinal o que está acontecendo, um vizinho indagando o outro. Descobre-se que um antigo projeto começou a ser implementado. Em meio à perplexidade, moradores resolvem organizar o protesto: não ao túnel.
Continuar lendoUm dia, crônica de Bettina Lenci
O céu violentado de cinza esparramou-se nos meus pulmões, as partículas de violência alojaram-se na garganta e a respiração tornou-se curta. Sim, claro, em uníssono, a razão deste efeito devastador nos terráqueos é divulgada e aceita como suficiente: ninguém se mexe para impedir a queima das florestas! Eu não avisei? Dizem, após a exclamação. Mas por mais que esteja inclinada a colocar minha colher nesse caldo grosso de fuligem, não é este o assunto de hoje, tampouco a sustentabilidade do planeta, nem as ameaças de fim do mundo e menos ainda assumir como humana que a culpa é só minha!
Continuar lendoEU NÃO CONSIGO, por Lilian Kogan
Queria falar sobre o novo ano que se inicia para nós judeus. Procuro dentro de mim fagulhas de esperança para traduzir tudo que carrego na minha genética espiritual. Mas não consigo honrar em mim o júbilo do legado dos meus antepassados porque só encontro dor no lugar que deveria ser de comemoração. Meus olhos querem ver a beleza da tradição do meu povo, que fez da dor um percurso de resistência e resiliência. Mas meu povo sofre e, ao contrário do que muitos imaginam, queremos viver em paz. Paz com os vizinhos do mundo todo. Há humanistas de peso entre nós. Em Israel, conheci alguns que tocaram meu coração para sempre.
Continuar lendoCorreto…incorreto, por Leo Forte
Minha mãe, ops! desculpem, mamãe não admitia que eu e meu irmão, a chamássemos de outra forma que não mamãe. Casou-se muito jovem com 16 anos, aos 18 já tinha os dois filhos com diferença de apenas 20 meses. Jovem, bonita e muito vaidosa, acho que não queria que os filhos crescessem para não sentir o envelhecer. Filha de fazendeiros das antigas tinha o hábito de mandar e nunca admitir erros
Continuar lendoOnde se fez o silêncio, por Lourdes Gutierres
Ela parece dormir, mas os dedos das mãos se movimentam de forma ritmada. Observo que nela mudanças ocorrem de maneira rápida. Há pouco tempo, apoiada em meu braço, caminhávamos até o jardim da casa. Por lá, canteiros coloridos: rosas, azaleias; de repente, aparecia algum beija-flor se nutrindo no hibisco – olhe, olhe, que lindo! Breve encantamento, logo sumia sem deixar rastros.
Continuar lendo#boasleituras
As filhas moravam com ele, de Andre Giusti
Almoços, pizzas, jogo de futebol, bebedeiras, o que pode acontecer nesses cenários? O que escondem essas trivialidades? Nada, imaginamos. A classe média, seu cotidiano e preocupações.
Continuar lendoDos leques e ventos da memória, por Lilian Kogan
Recentemente num curso sobre a Princesa Isabel, a historiadora que nos dava aula mostrou um slide com um leque feito pela própria princesa. Na ponta de cada vareta, o rosto pintado de algum membro da família.
Se o leque fosse da minha avó paterna, alguns retratos estariam decapitados. Ela nunca aceitou a separação da filha. Dizia que ela merecia ser melhor tratada pelo ex-marido. Enquanto tia Rosa seguia tranquilamente sua vida de desquitada, minha avó ainda esbravejava.
Continuar lendoA HORA MAIS NEGRA DA NOITE,
por Blanche de Bonneval
Eu estava servindo no Tadjiquistão no auge da guerra civil. Havia combates entre as forças governamentais e os fundamentalistas islâmicos até na capital, Duchambé. O pessoal das Nações Solidárias estava proibido de sair de casa a não ser para ir trabalhar. Me congratulei de já ter feito o meu reabastecimento de gêneros alimentícios no outono em Tashkent, capital do país vizinho, o Uzbequistão, quando as estradas ainda eram praticáveis.
Continuar lendoMinhas águas, por Sylvia Loeb
Tenho um rio dentro de mim. Suas águas percorrem cada reentrância do meu corpo, é o grande meio de transporte de tudo que ele necessita:
Continuar lendoUma breve arqueologia do livro e o meu alumbramento, por José Carlos Peliano
Segundo essa interpretação, portanto, cada e todo livro é oferecido e trazido pela memória aos becos e ruelas da recordação e/ou da imaginação povoadas pela vida afora. Se vai ser levado ao público ou não depende de cada um. Seguindo adiante, vive-se dessa forma numa monumental biblioteca universal onde é guardada a memória expressa ou não de toda a existência da vida humana e do meio ambiente.
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