Ela pegava uma faca bem pequena, tirava fios da massa da bala e começava a fazer o “puxa”: estirava com as mãos. Era uma mágica. A massa crescia e diminuía nas mãos da minha avó. Depois ela rodava, rodava e rodava a massa até que fazia um grande nó. Jogava na bancada de novo, passava coco fresco, cortava com cuidado milimétrico e punha cada pedacinho num pano de prato branco, branco, muito branco, que parecia novinho. Quando ela me dava um pedaço daquilo, ainda quentinho, eu chegava num tipo de céu infantil. Um paraíso onde só chega quem tem uma avó!
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Alecrim, por Tita Ancona Lopez
Gostava de regar o jardim no final da tarde, a minha avó. Então, o ar ficava com aquele cheiro de planta regada, que só antigamente se sentia. Durante o dia costurava, fazia tricô, um para cada neto, um para cada bisneto e quando pensava que ia acabar a fila, sempre nascia mais um.
Continuar lendoA MINHA ASTRONAUTINHA, por Lilian Kogan
De repente, me pergunta onde estava minha mãe.
– No céu, Alice. Uma estrelinha lá no céu.
– E você vê ela?
– Vejo à noite, quando tem estrelas no céu. Mas ela também está aqui no meu coração.
– E seu pai, vovó?
– Ele também está lá no céu.
#avozices
Ser avó, por Liliana Wahba
Ser avó é ter amores redobrados
Escrever histórias gravadas na profundidade da alma
Redescobrir o encantamento do mundo
e renovar visões inesperadas
#avozices
Avonidade, crônica de Carlos de Castro
Pesquisei um pouco. Achei referências acadêmicas a avosidade; já o GPT sugeriu avoanidade. Não, não, obrigado. Já que nenhuma delas consta dos dicionários, nem do vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras, enquanto os especialistas não se pronunciam vou ficar mesmo com a palavra que me ocorreu de início. Então, por favor dicionários digitais, incluam “avonidade”: vínculo imaterial de afetividade entre avós e netos.
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FLECHA NOVÍSSIMA, por Luciano de Castro
(Para Ana Rita)
Esse negócio de escrever pra neto — nascido ou prestes a nascer — não é novidade na literatura. Basta uma olhadela no Google, e lá se encontrarão, aos montes, registros enternecidos de avôs e avós arrebatados pelo encanto da “avonidade”. Em 1980, Hélio Pellegrino escreveu um bilhete pro seu neto Francisco, que acabara de nascer. A amorável cartinha, donde roubei o título desta crônica, deveria ser entregue ao rapaz apenas na virada do século: dia 31 de dezembro de 1999, quando Chico estivesse com 20 anos.
#avozices #essesnossosnetos
Soneto a neto
por Eder Quintão
(Para Bernardo P. Quintão)
Tece criança uma prece/Ao sol que paira perene/Grata quando amanhece/À luz que fornece solene/Sempre que à terra desce/E a noite logo esmorece
Bye bye vesícula biliar, por Pricila Marchese, nossa autora convidada
A finitude me perseguia. Comi a última bolacha do pacote. Judith, a gata, fez companhia durante minha caminhada na esteira, com os olhos fixos e apaixonados como nunca. Terminei algumas crônicas que estavam em andamento . Será mesmo que vou desta para melhor? Chegando ao hospital, fomos encaminhados ao quarto.Coloco aquela camisola que mais parece o traje perfeito para a entrada no reino dos céus.
Continuar lendoMoça branca da cidade, por ELISABETH FERRONI, nossa autora convidada
Wekanã tenta mergulhar a cabeça, limitado pelas boias de braço que coloco todas as manhãs, receosa de que meu filho se afogue em mar sem ondas. O esforço vale a pena pelo sorriso que me devolve. Pele morena avermelhada, olhos grandes pretos, cabelo preto liso, franja curta. Corte tipo tigela, era como eu e minhas colegas de faculdade costumávamos chamar aquelas cabeças indígenas na primeira vez que cheguei por aqui.
Continuar lendoJokinha e eu, por Elisa Dias Baptista, nossa autora convidada
Eu e Jokinha temos rituais alimentares que deixam a cerimônia do chá no chinelo. Ou melhor, sendo mais modesta, criamos apenas uma versão infanto-ocidental para esse demorado, sofisticado e tradicional ritual. A nossa cerimônia do cafézinho brazuca é pautada com a mesma exatidão que o relógio que faz tic tac e com o cuidado com que o coração faz tuc tuc. Mesa pronta. As vaquinhas da toalha sorriem pra gente mugindo bom dia. Confortavelmente sentado no cadeirão verde e abóbora, Joka veste seu milenar pijama de ursos.
Continuar lendoPOR QUE ESCREVO? por Lucia de Araújo Cid, nossa autora convidada
Escrever é amplo, é fundo, é insondável. Escrever é cachoeira caudalosa se rasgando entre as pedras até chegar ao remanso calmo e translúcido. E depois se debater em nova queda e se ferir, se depurar em destino certo. Escrevo porque quero cuspir a faca da boca e trocá-la pela delicadeza da borboleta pousada no nariz da criança.
Continuar lendoESQUELETOS NO ESTACIONAMENTO, uma história de Blanche de Bonneval
Uma dezena de esqueletos humanos foram encontrados durante as obras de ampliação do estacionamento. “Tinha antigamente aqui um cemitério?” Perguntei a Abbo, o meu chefe dos serviços gerais. “Não senhora,” respondeu Abbo. Esses corpos devem ter sido enterrados aqui durante a guerra civil de 78/82. Teve combates encarniçados nessa área e morreu muita gente que foi enterrada onde faleceu. Eu sabia que muitos corpos foram sepultados do outro lado do jardim e – não quero assustá-la – outros tantos também foram enterrados ali atrás…
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