Sobre ratos e aves,
por Liliana Wahba


 

 

No jardim da casa, em um dia aprazível e sem aquela pressa frenética de dar conta, ao anoitecer, deparou-se com a cena: a cachorrinha com algo na boca que à primeira vista podia ser uma folha grande com forma inusitada e que resultou ser um rato, inteiro, firme e com rabo espetado, morto, mas sem estar triturado ou esmagado. Uma presa apesar de pouco apetitosa ao paladar da bichinha. Um auê para distraí-la até que soltasse o  troféu.

Outro dia, mesmas condições, um pássaro saltitante correndo pelo gramado e a preocupação que a cachorrinha o pegasse. Onde está ela? Que bom, nem viu.

E agora: o olhar da mulher perscruta a área em busca de horrores cinza rastejantes e sorrateiros para exterminá-los ou na iminência de encantar-se com aves para protegê-las, mesmo que também cinzas.

Filosofando sobre as criaturas de Deus, perguntou-se – ainda que ratos fossem portadores de doenças e merecedores de repúdio – se não seria preconceituosa, posto que desconhecia o caráter do rato em questão e não sabia de fato se era um inofensivo comedor de queijo ou um asqueroso habitante contaminado do mundo dos esgotos. Pensou que julgara e condenara o camundongo – tipo menor de rato – impiedosamente, o que sinalizava talvez uma fraqueza moral.

 

 

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

 

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