Silêncio vazio de hábitos,
por Bettina Lenci


 

 

Um domingo de sol radioso . Limpo como nos dias em que, pela janela da casa de campo da família, vislumbrava os Alpes Austríacos acima dos campos arados. Deixou de divagar ao ver, na orla da cidade, o Corcovado e os braços do Cristo abertos para o mundo e, quem sabe, só para ela neste momento. Sentia saudades do companheiro que foi embora da sua casa.

Ao olhar para a direita, um corredor com quatro portas laterais. Uma do banheiro social, outra de um quarto, mais uma do escritório e finalmente a porta do quarto do casal. Pairava um silêncio muito diferente dos tantos que por ali já haviam ecoado por um tempo que se dizia infinito.  Era um silêncio vazio dos hábitos. Uma porta que não fechava, o vapor do perfume, a cueca dependurada, o copo com a escova de dente vazio.

Neste corredor havia ainda dois banheiros contíguos; um para ela e outro para ele. Quando os chuveiros estavam sendo usados simultaneamente ouvia-se a água do chuveiro do outro. A cada vez, ao som tão habitual, ela imaginava a água quente escorrendo pelo seu corpo ensaboado, envolvida em vapores de sensualidade.  Ao som dos velhos canos que rugiam como um velho leão, ela sabia que o banho havia terminado. Sabia-o ainda nu, a pele exposta.

Saber que este corriqueiro hábito não voltaria causou-lhe a sensação do vazio absoluto, ela uma silhueta de si mesma. Um contorno sem fígado, pulmão, coração, rins. Algo parecido com um prédio cujas paredes foram implodidas, fumegando uma nuvem de cimento e areia restando apenas  sua estrutura de aço. Para quem sabe, um prédio desmoronando cega quem olha.

“Que destino competente me foi reservado? “, pensou subitamente, voltando o olhar para a Baía da Guanabara. “ Teriam sido as moiras tão ardilosas em me apresentar um destino para que, por fim, hoje, eu entendesse a razão do Eu Ser?”

O homem nu não mais tomará banho ao lado. Os canos deixarão de rugir.

 

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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.

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