Deveria estar em casa fazendo algo de útil, ir ao supermercado ou ao tintureiro, ou levar os sapatos para consertar. Depois buscar as crianças na escola, fazer o jantar para o marido, mas entrou no cinema, na sessão da tarde. A tela iluminada, tudo escuro, silencioso. Ajeitou-se, misto de culpa e de satisfação.
Alguém sentou-se ao seu lado. Forte cheiro de corpo. Incomodada, levantou-se, a sala tão vazia, era ali que precisava sentar?
Mudou-se de lugar, a culpa deixando um rastro apagado atrás de si.
Alguém se sentou ao seu lado. O mesmo cheiro de corpo.
Não teve coragem de olhar, foi inundada por uma onda quente e úmida.
A tela iluminou-se, não conseguia ver nada, a não ser figuras que se moviam.
Sentiu a mão na coxa. Acima do joelho. Quente. De início leve, depois pesada.
Não se mexeu.
Escaldante, a mão subiu mais um pouco e ficou à espera.
Depois, lentamente, começou a puxar-lhe a saia para cima.
Devagar. Caçador manhoso à espreita.
Sentiu calor no ventre, queria se mexer, abrir as pernas, não tinha coragem. Um liquido morno escorreu dentro dela.
A mão firme, ousada e quente, penetrou-lhe o corpo, e ela gemeu.
Cega pela luz do dia, saiu para a rua barulhenta.
Pegar as crianças no colégio, passar no supermercado, fazer o jantar para o marido.
* Conto publicado no livro Amores e Tropeços ( Editora Terceiro Nome, 2010).
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!