O prédio em que moro é muito especial. São dez apartamentos, poucas pessoas, ninguém tem filhos. Lá morava um casal que, quando o marido morreu, a mulher tentou suicídio, mas não conseguiu; agora, mora só. Mais três casais homossexuais: dois masculinos e um feminino. Uma das moças, uma lindeza, sempre converso com ela quando a companheira não está por perto.
Os rapazes, educadíssimos, um arquiteto e um psicanalista moram juntos há anos; o dentista e o artista plástico, há menos tempo. Gente muito interessante.
Também uma viúva, dona Sarita, a síndica. Vive só; o filho aparece com certa frequência para visitá-la ou levá-la a passear. Bonitona. Exigente, briga por tudo e por nada, os empregados têm medo dela. Disto resulta um prédio muito bem cuidado.
O único senão, provisório, é uma reforma no oitavo andar, sobra pó, barulho e alguns pedreiros perturbando o silêncio e a ordem.
Ontem, lá pelas onze da noite, chegando da rua, vi uma confusão na porta. O carro do filho da síndica parado em frente, ela dentro, ele muito agitado dizendo que tinha um ladrão no apartamento da mãe. Ninguém deveria entrar no edifício, ninguém sair dos apartamentos, a polícia já tinha sido chamada e o suposto ladrão, atocaiado lá em cima.
Sarita, quieta, não abria a boca, o que estranhei, pois esperaria que regesse todo o acontecimento.
A polícia subiu e não precisou arrombar a porta: lá estava o homem, assustado. Um dos pedreiros, moreno bonito, forte e bem feito, pernas e tronco nus.
A síndica, muda, olhava para o chão, o filho excitadíssimo, nervoso.
Procurei os olhos de Sarita. Desnudada em seu segredo, vexada.
Se fosse eu, bradaria para o mundo o direito de ter o amante que quisesse, ainda mais um Adônis daqueles. Embora assustado, ainda um Adônis.
Gostaria de levar o filho embora e trazer de volta o pedreiro de torso nu e coxas fortes para os braços de Sarita.
Foto: Prédio retratado no filme “Aquarius”, de 2016.
Sylvia Loeb é psicanalista e escritora. Visite seu site em sylvialoeb.wordpress.com , acesse sua página no Facebook: SylviaLoeb_escritora ou escreva para o email [email protected]