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Rumo a Santiago,
Carlos de Castro

Um belo caminho, não? Daqui de meu ponto de vista é sempre uma beleza. Até nos dias chuvosos a visão desse vale parece que acalma, pacifica a alma. Seria a sinuosidade da trilha que gentilmente pede licença às mantas verdes dos campos? Ou os constantes caminhantes deslizando por ela? Seria a energia coletiva gerada por esses infindáveis humanos seguindo sempre na mesma direção?

Até as pequenas pedras vão andando, chutadas um pouquinho por dia. Já quanto a mim, é da minha natureza nascer e crescer num só local. Pertenço a uma espécie de vegetação nativa e é certo que outrora ocupávamos um espaço maior. Depois foram nos empurrando para espaços cada vez menores, cada vez menores. Acontece que somos duras na queda. Aqui e ali brotamos de novo em algum ponto que não interessa para os pastos e culturas. Em geral sobra apenas um cantinho junto ao caminho. Eu e algumas irmãs fomos nos ajeitando assim.

Às vezes, quando o sol está queimando, um humano ou outro seacocora e aproveita minha sombra. Gosto de acariciá-los, nem que seja por poucos minutos. Logo se erguem, se vão, seguem em frente. Não há que se desesperar por isso, nos dias seguintes outros aparecem e voltam a se sentar junto a mim.

O que poucos sabem é que ouço as conversas. Claro, fragmentos de conversas seria mais certo dizer, pois cada personagem que passa com sua mochila rumo ao oeste deixa uma frase, uma palavra, um pequeno trecho de canção ou um suspiro apenas. Vou juntando, tal qual peças de um enorme quebra cabeça, um mosaico em permanente expansão.

Querem saber se as peças se encaixam? Sim, sempre. De início devo confessar que isso me espantava. Como pode? A linguagem de homens e mulheres, negros, brancos e amarelos, jovens e velhos, espanhóis, ingleses e alemães, baianos e pernambucanos, gregos e lusitanos, as mais diversas fontes trazem peças que se encaixam. Aos poucos formam novas imagens que deixo impressas em minhas folhas.

Penso que só pode haver uma razão: há alguma coisa que une esses humanos passantes, alguma energia que os interliga ao longo das centenas de quilômetros do caminho e ao longo das centenas de anos que continuam a percorrê-lo. Alguma energia que os torna todos irmãos: Fratelli Tutti!

A foto do caminho foi feita por um amigo que se preparou bastante para vencer o percurso de mais de 800 km. Um dos testemunhos que ele trouxe foi a grande solidariedade que existe entre os caminhantes das mais variadas origens. Daí a relacionar com as mensagens da Fratelli Tutti foi um passo.

5 comentários

  1. Fiz esse caminho em 2016 e 2017. Devo voltar em maio de 2021, já está combinado com meu grupo, se a senhora pandemia o permitir. Tenho um grupo formado de nove caminhantes, brasileiros, portugueses e espanhóis. É um caminho de mais de 800 quilômetros, da divisa da França até a catedral de SANTIAGO De COMPOSTELA, na Espanha. Estamos fazendo por etapas. Cada ano caminhamos cerca de 250 quilômetros. Maravilhoso.

  2. Lembrança inspiradora do que vivemos, caminhos de fraternidade unem em metas comuns, relegadas , esquecidas, o olhar da árvore vem de cima, de onde as copas vicejam .

  3. Adorei ler esse texto tão afetuoso. Estamos necessitando disso. Essa entidade que você cria, Carlos, persistente e humilde, talvez possa nos ensinar definitivamente que Fratelli Tutti. Somos a raça humana e a nossa casa é a Terra. Simples assim.

  4. Sua crônica é muito tocante, Carlos. Serviu também para intensificar o meu desejo de realizar esse feito. Parabéns pelo relato emocionante!

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