#reflexões
O DOLCE FAR NIENTE DA INEGIBILIDADE
por Luciano de Castro

Desde o dia 30/06/2023, uma palavra paroxítona, pentassílaba, e acentuada por ser terminada em L, passou a ser uma celebridade vocabular. I-ne-le-gí-vel: este foi o vocábulo mais lido, pronunciado, digitado e comentado na última semana pelos quatro cantos do país — e continua em alta, virou trending topic. A culpa é do TSE que, após julgamento, decidiu cassar os direitos políticos de seu Jair, tornando-o inelegível por 8 anos. Com a pena, o mitológico rei da bazófia não poderá se candidatar a cargos públicos até 2030.

A decisão do tribunal gerou reações antagônicas no seio da pátria: amor e ódio, celebração e revolta. Pros fiéis apoiadores de seu Jair, que já vinham tendo dias difíceis, foi mais um revés. Ainda que fosse esperada, a derrota no tribunal os feriu duramente. Sentem-se acabrunhados, traídos, indignados. Pode parecer chacota, mas compadeço-me desses compatriotas, pois sei que sofrem de fato, que se amofinam, que se descabelam contra o ministro sem cabelo. E, como entendo que ao cronista cabe uma função social, ofereço este texto como um alento, um refrigério. Ao final da leitura, os sofridos jairófilos verão que não há motivos pra tristeza, pois o tiro saiu pela culatra.    

Em primeiro lugar, porque essa tal inegibilidade se restringe ao âmbito político.  Assim, caso apeteça ao seu Jair se candidatar a alguma função diretiva, não lhe faltarão opções. Síndico de condomínio, presidente do clube de tiro, comandante do pelotão de motociclistas sem capacete, gerente nacional dos adoradores de Donald Trump e diretor da associação dos militares expulsos são algumas das funções disponíveis ao mito. Além disso, do ponto de vista afetivo, seu Jair permanecerá eternamente elegível no coração de todos os seus seguidores, como exemplo inabalável de simplicidade, retidão e destemor.

Elenquei acima alguns cargos de chefia apenas pra mostrar aos queixosos que a punição infligida não é, de forma alguma, irremediável. No entanto, aposto minha reputação de que seu Jair não pleiteará nenhum deles, e esse é o ponto principal a que quero chegar. Ao torná-lo inelegível o TSE deu ao réu o que ele intimamente mais gosta: o ócio, a inatividade, o dolce far niente dos seus ascendentes italianos. Se tem alguém com talento pra indolência, esse é o seu Jair. Olha que aprovar dois projetos em 27 anos de vida parlamentar não é pra qualquer um. O homem é uma máquina de não fazer nada.

Jairófilos, ouvi-me: não há razões pra quizilas, esperneios, revoltas, chiliques e outros arrebatamentos que tanto mal fazem às coronárias. Aquietai vossos corações! A inegibilidade será uma bênção pro vosso herói. Ele estava precisando desse tempo. Aquela ociosidade que antes era exercida sob críticas agora será uma ociosidade compulsória, às claras e imposta pela lei. Um brinde ao dolce far niente do seu Jair! Bom pra ele, melhor pro Brasil.  

Goiânia, 10 de julho de 2023

14 comentários

  1. Não me surpreende o quão instigante é essa Crônica do Luciano. Resistência se faz assim: divertida e inteligentemente. Estou envolvido com a leitura de “Os óculos do poeta” e é impossível destacar qual texto é melhor. Excelente Luciano, parabéns!

  2. Com os óculos atentos e bem treinados, o poeta vai descrevendo muito bem o que vê e sente. E, no caso do nosso querido Jair, viu a possibilidade inequívoca de uma aposentadoria compulsória pra lá de bem-vinda ao pior político do Brasil. Vai ter muito tempo para infernizar, iludir e conspirar. Mas, é melhor assim. Inelegível.

  3. Gosto desse estilo de escrita!
    Simples, porém rico, direto e com uma boa pitada de humor. Vou mandar para alguns Jairófilos, vai ajudar a acalmar os ânimos . 😝 👏🏻👏🏻👏🏻

  4. Mais uma vez o Luciano nos brinda com um texto leve, fluente, gostoso de ler, que nos remete de forma leve a reflexão sobre o inominável, suas mazelas e consequências. Parabéns.

  5. Essa crônica, além de uma escrita irretocável, é riquíssimo em informações e nos deixa com aquela vontade de quero mais. Parabéns ao autor.

  6. Luciano, eu ri muito!
    “O homem é uma máquina de não fazer nada” isso é fabuloso! Crônica deliciosa de ler, e de saber que “seu jair”, não é mais nosso!

  7. E o Oscar da indolência go to: Seu Jair, o mais talentoso de todos os mandriões.
    Muito obrigado ao autor pela perspicácia e leveza do texto ao tratar uma situação extremamente repugnante, digo isso daqueles que assumem cargos políticos como meio capital por anos a anos, como verdadeiros sanguessugas do erário, sem apresentar nenhum serviço à nação.

  8. Realmente, há muito tempo que uma palavra paroxítona, pentassílaba e acentuada por ser terminada em L, não me soava tão bem. I-ne-le-gí-vel: um deleite para meus olhos e ouvidos. E que fineza o seu texto, com o humor sarcástico de sempre, mas de leve. Não sei se seria capaz de tanta delicadeza…Parabéns pelo texto!

  9. Ótimo, Luciano! Leve, sutil e bem humorado!
    Acho que você tem razão, ele não vai nem se candidatar aos merecidos postos de comandante do pelotão de motociclistas sem capacete, gerente nacional dos adoradores de Donald Trump e diretor da associação dos militares expulsos, pois o ócio é mesmo o cargo com que ele mais se identifica.
    Mais que na hora de Sr. Jair já ir embora.

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