A quarta neta, por Eliane Accioly


 

 

Era uma vez a Carolina, uma menina de sete anos.
Xereta.
Perguntadeira.
Desconfiada.
Ciumenta.

Taurina loira igual a uma walquíria.
Cabeçuda, brava.
Neta de alemães pelo lado paterno.
E pelo materno, mineirinha de seiscentos anos.
Uma mistureba.

Carolina gosta muito da vovó Eliane, mas acha que para a vovó mineira, ela é só a quarta neta. “Que bobo ser a quarta neta!”, “Não sou mocinha como a Ana Luiza, nasci depois do Gianluca e do Guilherme, e nem sou a caçula, como a Amanda”, pensa com seus botões.  

As coisas que Carolina mais detesta são:

1- Não ser a neta mais velha, nem a caçula.
2- Quando o irmão, o Guilherme, um ano e sete meses mais velho, bate nela.
3- E quando o Guilherme a arrasta e puxa pela roupa no corredor da escola, na frente dos colegas! Uma vergonha!

Por conta de uma arrastada Carolina deu um tapa merecido e bem estalado na cara do Guilherme. O tapa fez plaft, e ficou grudado na bochecha dele, meio escorrido como tomate esborrachado. Vovó Eliane não viu Guilherme arrastar a Carolina, só viu o tapa estampar a cara do neto, desenhando um mapa. Vovó ouviu o plaft! Xiou:

_ Não se bate assim no irmão, Carolina!

A menina ficou mais vermelha que o tapa na bochecha do Guilherme. E sentida com a vovó:  “Ela protege o Guilherme! Gosta mais dele que de mim! Não zangou dele me arrastar.” Quase chorou, mas no lugar das lágrimas fechou o cenho, que ficou mais redondo.  A boca de Carolina se abriu naquele rosto cor de rosa, e falou para a vovó:

_Você não manda em mim. Nem é a minha mãe!

Vovó respondeu impertinente:

_ Você tem uma mãe muito boa. Mas, avó também educa.

E querendo ser engraçadinha, continuou:

_ E quando a neta vê a vó educar diz: “Obrigada, vovó”.

Carolina com tanta raiva, sentiu que era um balão e teve medo de estourar e virar pedaços de borracha. Não um balão cheio de gás, um balão cheio de ira por causa da vovó. Até esqueceu o desaforo de ser puxada pelo Guilherme na frente dos colegas. De novo a boca se abre e diz:

_ Não vou agradecer! Sou diferente de toda criança! Não quero mais ir para a casa da vovó.

Mas, Carolina foi para a casa da vovó Eliane. Era sexta feira, o dia de vovó pegar Carolina e o Guilherme no colégio. Passam pelo Supermercado e compram salada. Carolina de braços cruzados finge que nem tem avó, mas anda atrás dela, com medo de ficar perdida. Já ouviu contar de criança perdida, e acha isso uma coisa muito triste. Suspira: “Vida de criança é difícil”! Chegam em casa.  Carolina sente o cheiro de pastel. Ainda está zangada, mas, o cheirinho de pastel… A menina come um monte de pastel de queijo, os que ela gosta. Vovó pede para a Néia fritar muitos para a neta comer tantos quantos quiser. Para o Guilherme tem pastel de carne. Carolina pensa que inventou gostar de pastel de queijo, porque precisa ser diferente do Guilherme. “Graças a Deus a vovó agrada nós dois”, pensa a pequena mastigando um pastel crocante. Estão na mesa quatro pessoas, dois adultos, vovó e vovô, e duas crianças, Carolina e o Guilherme. A raiva fica amarrada no pé da mesa. Carolina está feliz de não ter explodido como um balão. Está inteira. Toma sorvete de sobremesa. Considera, “Quem sabe a quarta neta também tem lugar no coração da vovó?” Nesse pedaço Carolina fica muito triste, e começa a chorar de soluçar. Vovó Eliane senta a neta no colo e pergunta o que está acontecendo:

_ É por causa da vovó que você chora?

_ Não, vovó, é por causa da mamãe e do papai. Mamãe viaja muito. Está na Venezuela e só volta amanhã. Papai viaja muito, está em Brasília, e volta hoje de noite. Eu fico muito triste e tenho pesadelo.

_ Ah! A vovó entende você porque eu já fui criança. Eu também ficava muito triste quando meus pais saiam de noite para o cinema, e eu ficava em casa. Me lembro até hoje, vejo claro, agora que você fala dos seus.

_ Você quer ficar perto dos seus pais, vovó?

_ Ah, não! Agora cresci e tenho uma neta chamada Carolina, e estou com ela aqui no meu colo.

_ Vovó, você viu o Guilherme me arrastar no colégio?

_ Não vi. Foi por isso que você deu o tapa nele?

_ Foi.

_ Então, peço desculpas. Você me desculpa?

_ Desculpo vovó.

Carolina ainda está sentada no colo da vovó. Vovó levanta, de mãos dadas com ela. Vão para o sofá, e quando a quarta neta vê, vovó Eliane está contando uma história:

Era uma vez a Carolina, uma menina de sete anos.
Xereta.
Perguntadeira.
Desconfiada.
Ciumenta…

 

E por aí vai… Carolina atenta escutando a história que acaba de viver. A menina se aconchega na avó e pensa: “Essa minha avó Eliane! Sei não.”

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ELIANE ACCIOLY – É psicanalista e artista. “Aprendiz. Vivo os intervalos. Viver é surpreendente. Em certa pequena medida criamos nossas vidas. Não posso mudar o mundo, mas parcelas da vida e do mundo sim.”

 

2 comentários

  1. Eliane, fiquei comovida com sua história. Netos são tão importantes na vida da gente, e criança é um bichinho tão sensível… às vezes a avó erra feio, que bom que deu para consertar. Lindo!

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