Psiupsiupsiu, por Bettina Lenci

Fui comprar plantas para o jardim e acabei levando, além delas, dois gatinhos. Gatinhos sem dono, selvagens, criados entre plantas da Mata Atlântica. Pela flora perambulavam uns 5 deles. A mãe e os filhotes.

Os funcionários, filhos e marido, todos fazendo psiupsiupsiu abrindo e fechando a boca em bico para que o som saísse bem fininho na tentativa de pegar os dois filhotes. Acho que este é um jeito de chamar gatos. Os humanos acreditam que assim chegarão perto deles. A cena era ridícula. Adultos, ali agachados, fazendo psiu no meio de vasos, venenos, pás e ancinhos, para gatos que não pensavam em atender nossos insistentes chamados.

Ao fim, um de nós teve a brilhante idéia de colocar ração no prato para atraí-los. Foi a conta. Chegaram e nós os capturamos tal o gato com o rato: com a boca na botija!

O dono da flora sugeriu, com insistência, que deveríamos levar todos para casa,  meu coração cedeu  ante o olhar de perda da mãe  dos dois filhotes, um, manchado, no meu colo;  outro, branco, no da minha filha.  Comovida como se os filhotes fossem paridos por mim, concordei em levar também a mãe.

Arrependi-me ao primeiro xixi feito no meu sofá florido. Arrependi-me mais ao pisar no mini cocô no tapete.  Na mesma hora em que a mãe gata chegou em casa, saiu para só voltar na hora do jantar, largando os dois filhotes aos meus cuidados. Ao procurá-los para dar o jantar não os encontrei. Virei todas as almofadas, olhei por debaixo de cada móvel: nada. Desisti e entre aliviada e culpada desejei que tivessem fugido em busca da mãe . Encontrei-os dentro do meu armário. Comeram muito e recusaram-se a dormir na caixa improvisada do lado de fora da casa. Com pena, abri a porta para deixá-los se aninhar onde quisessem, mas firme, de olho em cada um de seus movimentos.  No meio da novela – que assisto religiosamente como uma oportunidade de conferir um Brasil que reflete uma caricatura da sociedade ou a realidade – ouço miados fortes e penso que a mãe veio em busca dos filhotes.

Saio para averiguar e descubro um gatão, lindo e amarelo. Não podia ser o pai , mas quem sabe veio para adotá-los, enamorado da mãe e desejoso de criar um novo lar? Hoje em dia os casamentos e o nascimento de filhos são tão fugazes, – depois “adotados” por outro pai ou mãe na tentativa de construir uma nova família – que isso também poderia acontecer com os gatos, pensei. (Os natais estão se tornando um caso de logística familiar , às vezes com muitas mágoas,  tantos são os pais, biológicos ou adotivos,  e  avós que discutem na casa de quem será festejado o feliz evento anual.)

Como os gatos pedem comida, filhos e netos pedem dinheiro para comprar o que mais desejam. Duvido que hoje as lembranças dos filhos cibernéticos falem de amor e esperem ansiosos pelos presentes.

Quando o gatão voltou para o mato, eu voltei para a minha novela e novamente sou interrompida por outro miado. Mal humorada com esta história dos gatos fui averiguar. Era a mãe deles. Estava com fome, dei alimento com a intenção de que ela se fixasse em casa. Ao acabar, trouxe-a para dentro de casa e fechei todas as saídas. Imediatamente os filhotes vieram a seu encontro. O filhote manchado deu uma cheirada, a reconheceu mas a deixou em seguida. O gato branco contudo me deixou muito reflexiva sobre a relação mãe e filhos. Ele se colocou embaixo da gata mãe, aconchegando-se. A mãe fugiu para outro lugar. Ele foi atrás. E assim durante um bom tempo. No final de uma longa “briga” entre a mãe que não queria abrigar o seu filhote e ele insistindo de maneira desesperada, a mãe o deixou ficar em cima dela e os dois dormiram.

Fiquei pensando, emocionada e sem resposta sobre a relação da mãe que buscava a sua independência e a do seu filhote de gato comparada com o irmão, da mesma ninhada, que não estava nem aí para ela.

Será que somos semelhantes aos gatos quando se trata de amor aos filhos? 

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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.

 

 

Um comentário

  1. Bettina, gostei do tom bem humorado e reflexivo do seu relato. Nós humanos não temos jeito, pensamos nos gatos, ou cachorros ou golfinhos ou assemelhados com os mesmos referenciais que usamos para nossos semelhantes. Alguém me disse que somos todos bichos! Devem ser por aí as semelhanças.

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