Clube dos Escritores 50+ Liliana Wahba Proteções esperadas

Proteções esperadas,
por Liliana Wahba

Após um ano de intenso trabalho e de preocupações do cotidiano, estava no aguardo das sonhadas férias a usufruir em locais diferentes dos habituais. Dizer, como em alguns panfletos, exóticos, era vulgar. Quando lhe perguntavam por que não alguma cidade europeia respondia que necessitava de natureza, e mais, de um natural desconhecido.

Não deixava de haver uma motivação exibicionista, imaginando a curiosidade dos amigos, mas era sincera na expectativa de explorar sensações vibrantes em paisagens inescrutáveis. Não lhe ocorreu naquele momento que havia tempos o mistério se fizera ausente e a realidade prosaica engolia o encanto da vida, pujante na juventude.

Um tanto distraída em devaneios, fazia a mala de modo prático e ordeiro, calças, camisetas, tudo esportivo, um vestido … E, de pronto, teve um estalo: 

– Olá, preciso com urgência informação sobre equipamento de proteção para excursão paga que começa amanhã; o atendimento por telefone e virtual não funciona! Está péssimo, e consegui este canal pelo WhatsApp que se identifica como Léo: são vocês da Agencult?

– Olá, eu sou Léo! Antes de começarmos, poderia me passar seu endereço de e–mail para checar se já tenho seus dados?

– (digita endereço)

– Oi, Laís Wesler, identifiquei que já tenho seus dados aqui. Como posso lhe ajudar?

       Selecione uma das opções no menu a seguir:

       1. Instruções sobre cadastro e pagamento.

       2. Informações sobre viagem.

– Quero informações sobre viagem.

– Informações sobre viagem: www.agencult.com

– Mas no site não tem contato e não dão a informação que necessito; o atendimento não responde.

– Informações sobre viagem: www.agencult.com

      Legal, poderia indicar abaixo o quão satisfeito você ficou com o meu atendimento?

  1. Muito Satisfeito
  2. Satisfeito
  3. Neutro
  4. Insatisfeito
  5. Muito Insatisfeito

– (tecla) 5. Muito Insatisfeito

– Muito obrigado até mais!

Laís permaneceu muda, até porquê não tinha com quem falar, e começou a divagar sobre a viagem. Sem equipamento de proteção seria melhor desistir? Nem sabia se retornariam o valor investido e o site não iria esclarecer.

Tinham lhe avisado que o ônibus viria às 7h da manhã do dia seguinte. Era uma excursão que há tempos queria fazer; um pequeno grupo guiado nas cavernas de Son Doong, após caminhada por lugares pantanosos.

Uma amiga alertara: é inesquecível! Mas não esqueça o equipamento de proteção. E nem podia falar com ela, pois estava em um retiro na Índia.

Tentou lembrar como surgiu a ideia. Uma necessidade impalpável de adentrar no âmago da terra, de si mesma? Esperando encontrar um quê perdido e um quê achado. Essencialmente perdidos e achados, a cada instante nos achamos e nos perdemos novamente.

Em seguida cogitou qual equipamento seria necessário: botas, capacete, lanterna, cordas, boia, luvas de borracha, canivete, óculos, máscara contra gás, será? O que, entretanto, a protegeria da escuridão, do medo de ser?

Indecisa se devia cancelar a viagem, pensou com impaciência na conversa com o Léo automático e, subitamente, irrompeu o riso solto e sonoro: quando queremos proteção e nos respondem com evasivas somos obrigados a indagar o que de fato buscamos.

5 comentários

  1. O ser-humano sempre buscou o Ser. E sem instrumentos de proteção… Por mais que os queiramos, não os há. Sem garantias… desde que o mundo é mundo. Gostei muito.

  2. Liliana, muito bom “Essencialmente perdidos e achados, a cada instante nos achamos e nos perdemos novamente.”.
    Vivemos essa montanha-russa e nem equipamentos temos para enfrentá-la. A viagem exótica é permanente, diária.

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