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#memórias
Prospect Park, por Leonardo Quindere

Na saída da estação “Church” tomei um susto, todos os meus sinais internos de alarme dispararam, sigo ou volto? 

Era por volta do meio-dia, estava claro, mas senti que talvez tivesse descido na estação errada. 

Os alarmes, construídos pelos anos de vivência na cidade grande e por preconceitos, dispararam quando vi pessoas de várias etnias numa rua de comércio movimentada e com uma predominância de pessoas pretas. 

E agora? Fico ou vou? A estação tinha sido escolhida pela proximidade do “Prospect Park” no Brooklin, em Nova York, não conhecia muito a região, mas sabia que o parque era um lugar bonito e considerado o Central Park do Brooklin. 

Depois de uma conversa interna resolvi não me deixar vencer pela covardia e preconceito e segui.

Estava a uns três quarteirões do parque, lá estaria seguro, com certeza. Segui para a rua, a sensação de estranheza foi se dissipando à medida em que fui percebendo que ninguém olhava pra mim, ou que ninguém olhava pra ninguém, simplesmente estavam todos concentrados nas suas vidas. 

Naquele momento fiz uma constatação de realidade, homem latino, meia idade, descabelado, barba branca comprida, sem sinais exteriores de riqueza, estava perfeitamente integrado no ambiente. Como era hora do almoço pensei em comprar alguma coisa para comer no parque. 

Na entrada da deli, uma pequena fila, trabalhadores que iam fazer o mesmo. Procuro não chamar atenção. Com os radares ligados na potência máxima, percebo que o dono da Deli é paquistanês. Pela minha leitura, o filho preparava os lanches enquanto o pai ficava no caixa. 

Pedi meu sanduíche, peguei uma coca e fiquei encantado por ter sido compreendido de primeira em inglês. Eles tinham ouvido para entender o inglês falado de diferentes maneiras, todos com sotaque acentuado.

Confiante, peguei minha sacolinha com o lanche e fui andando pro parque com a tranquilidade e a certeza que naquela Babel,  eu também conseguia me virar. 

Naquele momento senti que realmente tinha saído da ilha ou da bolha e que existia um mundo lá fora cheio de outros humanos onde a vida é possível.

Outro dia vi uma reportagem sobre a vida em condomínios fechados na cidade de São Paulo, a matéria mostrava um dos condôminos que “corajosamente” passeava com os seus cachorros próximo do último muro onde havia alguns buracos e ele falava com crianças do outro lado.  Tomado por todos esses pensamentos, sentei-me no banco em frente de uma pista pública de patinação no Prospect park e comi o meu sanduíche observando adolescentes às gargalhadas nos seus patins, simplesmente vivendo a vida, sem grandes reflexões. 

Prospect significa perspectiva, que em um inglês mais clássico tem o sentido de possibilidades, esperança. Ali com o sanduba na mão e vendo os adolescentes fui tomado por esperança, uma sensação de que haveria dias melhores e que aquele conceito do muro, das divisões e da ameaça do diferente algum dia iria   mudar e que talvez possamos ser, no mundo, um só povo.

2 comentários

  1. Que lindo, Léo! Corajoso de expor o que todos nós sentimos, e muitas vezes temos vergonha em admitir. Que possamos ter esse olhar de esperança para construirmos mais pontes e menos muros.
    Beijos,
    Lilian

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