Clube dos Escritores 50+ Lucia de Araújo Cida Autora Convidada Porque escrevo

POR QUE ESCREVO? por Lucia de Araújo Cid, nossa autora convidada

Escrevo para me ver. Para te ver em mim. Para ver como vejo o mundo. Para me equilibrar entre tempestades e flores. Para cantar ao som de um piano e deixar as melodias correrem em minhas veias junto ao sangue e ao plasma. Escrevo para relembrar velhos e idos amores e para celebrar o júbilo da descoberta de novas dimensões mais suaves. Escrevo para dar uma volta pelos jardins imperiais dos palácios imortais. E também para conhecer os labirintos escuros dos castelos medievais, construídos entre musgos, pedras e muralhas. Escrevo para escalar a árvore centenária, memória de um mundo verde, hoje em ruínas. Escrevo também para revisitar histórias antigas, aventuras de heróis honrados e certos de suas vitórias.

Escrevo para me desencalhar do lodo onde me meti, para levantar âncora e navegar por mares à toa. Escrevo para me purificar, exorcizar meus demônios e perseguir o vento sem asas, solto, coreógrafo da bela dança das folhas. Escrevo para dissolver vestígios do amor impossível e tocar as últimas notas de uma melodia sem fim. Escrevo para dobrar a aposta no possível dos mais impossíveis e chegar na reta final como senhora vitoriosa de mim. Escrevo para ver e sentir melhor os meus incompreensíveis mistérios e desvendar os segredos do fundo dos poços. Escrevo para respirar melhor e criar uma vida colorida, com mais emoções entre os dramas, as tragédias e as comédias cotidianas. Escrevo para buscar a constelação mais alta e longínqua onde resistem os grandes romances, os poemas eternos, as epopeias vibrantes e as gaivotas em fuga dos falcões e das águias predadoras. Escrevo para chegar à fonte de toda a poesia, triste, trágica ou alegre. Embebedar-me da pureza de cada uma e comungar com as almas atormentadas de cada poeta. Meu coração tem segredos indevassáveis que se deixam vislumbrar pelas palavras escritas e pelas não escritas, camufladas sob o véu da sugestão. Sussurros surdos e misericordiosos.

Escrevo para girar a roda da vida e da morte, para fazer as ondas dançarem, para atrair a chuva e para me desnudar ao sol. Escrevo como a criança a correr sobre a grama e se encantar com a borboleta que pousa leve em seu nariz e com a pequena e graciosa joaninha vermelha e pintadinha. Escrevo no mais lúdico e doloroso prazer do avesso, das vísceras e dos reveses. Escrevo para povoar a solidão e conviver com os tantos outros habitantes de mim. Escrevo para não fazer barulho, pé ante pé, titubeante, como a criança ensaiando os primeiros passos em direção à vida.

Escrevo porque sonho, porque existo, porque sofro, porque amo, porque minha alma é plena de imagens, pensamentos, dúvidas, memórias e momentos. Escrevo porque confio nas palavras, tão incertas e dúbias quanto eu. E tão ricas de sentidos!

Escrever é amplo, é fundo, é insondável. Escrever é cachoeira caudalosa se rasgando entre as pedras até chegar ao remanso calmo e translúcido. E depois se debater em nova queda e se ferir, se depurar em destino certo. Escrevo porque quero cuspir a faca da boca e trocá-la pela delicadeza da borboleta pousada no nariz da criança.

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