blog Clube dos Escritores 50+ Luciano de Castro Borboleta

#poema
OLHO DE BORBOLETA, por Luciano de Castro

no dia em que vi meu amor

                                         [pela primeira vez

ela falava ao telefone com outra pessoa

isso foi em agosto de 1989

o clima estava seco

e eu sofria com amigdalite

então eu disse a ela em tom de gracejo

que os antibióticos é que me mantinham vivo

ela riu… riu aquele sorriso ensolarado

que me iluminaria os dias e as noites desde então

pouco importa quem estava do outro lado da linha

aquele era o nosso timing programado

há tempo de atrasar, tempo de encontrar

tempo de parar, tempo de avançar

não, Yehuda Amichai, meu poeta incontornável

você estava errado quanto ao Eclesiastes

existe sim um tempo pra tudo

nós é que não conseguimos (nem precisamos) entender

apenas aceitar, apenas calar

pelo menos enquanto tivermos os pés presos ao chão

O que a formiga entende do mundo?

além do caminho estreito em que carrega pedaços

                                                                                 [de folhas verdes

eu entendo o mundo bem melhor do que a formiga

os seres que pairam acima de mim

entendem o mundo bem melhor do que eu

aliás, de que mundo estamos falando?

desse planeta-grão chamado Terra

ou de todas as galáxias, nebulosas, buracos negros

das luas de júpiter, dos micróbios de plutão

o macro e o micro se perdem e se encontram

você já reparou como as borboletas são simétricas?

suas asas, antenas, contornos são exatamente iguais

veja como a natureza está cheia de simetrias, regularidades, proporções

                                                                                     [números, ciclos, repetições

tudo é cíclico, morte-vida, sombra-luz, guerra-paz

por isso é preciso acostumar-se a perder

a perda é arte, perda é sabedoria

como escreveu Elizabeth Bishop

perder objetos, frases, fases, coisas, pessoas

perder pra recomeçar

perder pra evolucionar

perder tudo é não perder nada

pois nada escapa à verdade universal

a puríssima e inexorável verdade

superior ao homem e as suas grosseiras percepções

superior à franja de tempo em que vivemos

ó fulô, ó fulô

sabe a túnica inconsútil que vestiu Jorge de Lima?

foi ela que escondeu o meu amor.

Goiânia, junho/2023

3 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *