Paralelas – 1ª Parte,
por Léo Forte

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Dead Things The Hours (2002) Philip Glass (piano arrangement)

Março 27 de 1974, neste dia Joaquim de Oliveira, o “Quim”, de 24 anos, bancário, estudante de Economia, começou a reescrever seu destino.

Apaixonado por cinema, sonhando um dia ser cineasta, saiu da última sessão impressionado com o que acabara de assistir – “O Eclipse” uma das obras máximas de seu diretor preferido, Antonioni. O silêncio contemplativo é o foco principal e fundamental do filme. Os personagens não conseguem se expressar, verbalizar ou demonstrar seus verdadeiros sentimentos, escondidos, pela incomunicabilidade. Como o icônico personagem que perdeu 60 milhões de liras em um crack da bolsa não se expressa, sai sem reação alguma, passa por alguns bares, em cada um deles pede uma bebida, olha e não toca nelas. Na mesa do último, deixa um pequeno pedaço de papel que rabiscou e desaparece do filme sem mais explicações.

Como um animal ruminante digerindo o filme, corroído pela absurda paixão por Ana Célia, corre para encontrar Mônica sua amiga. Disposto a arrancar informação sobre a namorada que após uma discussão besta provocada pelo seu ciúme exagerado não respondia a suas tentativas de contato.

No bar, ponto de encontro de amigos, teve que esperar um bom tempo por Mônica, como sempre atrasada. Aproveitou para pensar e tentar definir esse sentimento alucinante que sentia por Ana Célia. Não entendia de onde vinha essa paixão. Pensava nela o tempo todo, acordava a noite e ficava horas sem conseguir dormir. Longe dela tinha a sensação de que uma bola de angústia, tão real, quase palpável, se fixava entre o estômago e o peito, o deixava quase sem ar.

Mônica, sua amiga de sempre, confidente e companheira de sonhos de realizações, sabia e tentava de tudo para ajudar, sempre demonstrando muita preocupação em seu rosto grande, forte, bonito. Certa noite, Quim a procurou desesperado, queria alguém que ouvisse sua loucura, pensava consultar um psiquiatra, qualquer coisa para acalmá-lo. Mônica o abraçou por um longo tempo, acariciou e o acalmou como a uma criança assustada. As carícias se transformaram em beijos e os beijos acenderam o desejo, ficaram nus e se satisfizeram. Mônica o amava há tempos e agora o tomara. Tudo acabou calmo e tranquilo, mas no dia seguinte como o rebobinar de um filme, tudo voltou ao que era antes, o ocorrido foi classificado como incidente e colocado na memória do esquecido. Ela, por culpa, considerando traição a uma amiga, ele, por medo de perder a causa da paixão e com isso também perder a amiga querida. Quando lembrava da noite maravilhosa de tranquilidade, sossego e prazer, tinha vontade de esmurrar a própria cabeça, pensando, covarde, porque não tentará mudar tudo, mas logo ia para o confortável plano do esquecimento.

Quando Mônica chegou, não tinha a expressão radiante de sempre, uma ruga quase sempre inexistente, marcava sua testa. Os olhos cinza azulados no rosto grande não brilhavam, assim como toda sua expressão, cinza.

Quim, movido pela ansiedade, quase pulou da cadeira. Ela sentou-se depois do tradicional beijo de comprimento, disse:

– E aí? Viu “O Eclipse”? Gostou? Eu vi ontem, adorei.

– Sim, eu vi, mas vamos falar disso depois. Conta, como está Ana Célia, o que ela falou de mim?

– Sossega, vou falar dá um tempo.

– Pô, Mônica, não enrola, fala logo!  

Meio zangada, ela disse:

– Você sabe que não sou de enrolar, você quer, vou falar tudo na lata. Acabou Quim, ela já está com outro.

– Como assim, ela me ama. Quem? Desde quando? Por que? O que você falou pra ela?

– Calma, Quim, falei tudo o que foi possível. Contei o quanto você gosta dela e vive perturbado com isso e outras coisa mais. Ela estava se achando o máximo. Tentei tudo, até contei sobre nós aquela noite para provocar ciúmes. Ela riu, disse, tirando sarro, que quem sabe fomos feitos um para o outro e ainda acrescentou: gostou? Fica com ele pra você. Quase dei na cara dela.

– Quim, visivelmente transtornado, disse: Por que você contou, é por isso que ela não quer mais.

– Quer dizer que é minha culpa? Mônica refletiu um pouco, depois, como alguém que estivesse submerso por muito tempo, ergueu o rosto tenso, respirou fundo e disse:

– A culpa é sua idiota, com essa paixão absurda nem conseguiu conquistá-la, só conseguiu sufocá-la.

-Ela sempre disse que me amava.

– Mentira, ela nunca te amou, falou Monica, explodindo. Quer saber, tem mais, depois que eu a apertei para te dar mais uma chance ela esbravejou e quase cuspindo em minha cara disse que os pais delas estão certos, que você é um bancariozinho pé de chinelo, com pretensão de ser cineasta e que o máximo que vai conseguir, se conseguir alguma coisa, é fazer uma pornochanchada. Segundo ela você será sempre um Zé Ninguém!

Quim soltou um grunhido e fixou um olhar catatônico em um ponto no além por aproximadamente uns dez segundos. Parecia que o tempo havia parado sua contagem. Foi a primeira vez que essa esquisitice aconteceu. Mônica olhou assustada e imediatamente arrependeu-se de ter falado tudo.

Passado esse transe, ele olhou fixamente para ela, balbuciou alguma coisa inaudível, levantou-se da mesa e saiu do bar como um sonâmbulo. Mônica rapidamente pagou a conta e, preocupada, seguiu o amigo com intenção de protegê-lo, Deus sabe de quê.

Quim caminhou nitidamente sem destino certo, depois parou em um bar, sentou-se em uma mesa pediu um café e ficou por um tempo, como antes, olhando para o além. De repente levantou-se e foi embora. Continuou andando, entrou em outro bar pediu uma água, novamente não tocou nela e foi embora. Nessa altura Mônica tinha certeza que ele estava perdido em seus pensamentos seguindo o roteiro do filme que tinha visto. Ela continuou a segui-lo, escondendo-se à medida da necessidade. Em um terceiro bar, novamente pediu bebida e não tocou nela. Pegou um pedaço de papel, rabiscou alguma coisa e foi embora, tomou um taxi e partiu.

O papel amassado ficou em cima da mesa e Mônica rapidamente o pegou. Tinha certeza que ele havia desabafado a angústia escrevendo alguma coisa. Desamassou leu e as lágrimas começaram a escorrer pela sua face. Tinha uma pequena frase em letra de forma, sublinhada diversas vezes. Dizia:

ELA TEM RAZÃO!

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LEONARDO FORTE (LÉO) – Economista, publicitário apaixonado por cinema, jazz, música erudita e literatura. Escreve contos, costuma dizer:                                                                    

“É pesaroso, triste e extremamente difícil contar sentimentos mesmo que não sejam seus, pois, para fazê-lo e necessário senti-los quase vive-los. Escrever pode ser doloroso”.

Um comentário

  1. Essas paixões tão desencontradas… muito mais fácil quando somente o instinto guia na espécie. E o filme de pano de fundo, lembrou-me Woody Allen criando o moço que sai da tela, afinal o cinema entretece desejos. Procurarei rever esse filme! Gostei da escrita

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