Clube dos Escritores 50+ Zulmara Salvador Palafita

#contos
Palafita, por Zulmara Salvador

Pela pinguela oscilante sobre águas turvas, o menino se equilibra carregando o balde. A mãe espera. Vem balançando, com o balde na cabeça. Olhos abertos direto no lodo. A mãe espera. Ele respira descompassado. O lodo ondeia por baixo da pinguela. A mãe espera. O dorso do bicho raspa na pinguela. Treme o menino. Treme o balde. Ele tenta apertar o passo. A sandália de dedo prende no vão da pinguela. O bicho puxa, arrasta a sandália para o fundo. O menino, agora cocho: pé de sandália, pé sem sandália, levanta os braços e segura o balde. A porta está perto. A mãe espera. Um tapa do rabo do bicho faz tremer de novo a pinguela. A água do balde respinga no menino. Ele aperta o passo. A porta está perto. A mãe espera. De olhos vidrados no filho, espera. Três passos. A porta. A mãe abre. Do lodo salta o bicho. Pega o balde. O menino escorrega. Meio corpo no lodo, meio corpo na pinguela. A mãe sai e puxa o filho. Fecha a porta. O bicho ronda, ronda, ronda. Mãe e menino olham pela janela. Num redemoinho o bicho some no fundo do lodo.

Amanhã, o menino tenta de novo.

11 comentários

  1. Excelente! Sonoros és e pês em círculos estonteantes. Deve ter dado muito trabalho esse resultado que de simples não tem nem aparência.

  2. Gostaria de escrever assim, com poesia, longe de qualquer intenção, simples, a vida devoradora que
    ronda e ronda e ronda, em círculos, noite e dia, todos aqueles que nao tem onde morar a nao ser como bicho, acima do lodo!

    Curto, brasileiro e muito bonito.!

    1. Nossa Bettina,
      Não tinha visto seu comentário.
      Fiquei comovida agora, e até empolgada. Achando que escrevo bem.
      Obrigada!!!

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