Visitei a vila dos mortos na cidade de Goiás
Quando cheguei, o silêncio conversava com o mistério
Como sou menino educado, não fiquei assuntando a prosa dos dois
Deixei-os a sós e fui caminhar, procurar onde deixaram Ana Lins
Andei por entre as fileiras, vi os pés de espirradeira, erva daninha crescendo nas gretas
Quase caí quando esbarrei em pensamentos do século passado
Parei por alguns instantes e fiquei olhando em volta com olhos letárgicos
Reparei que havia casas simples e casas requintadas
Algumas, de tão simples que eram, nem seriam propriamente casas, apenas pisos
Outras pareciam palacetes de mármore, ornados com placas, retratos, letras douradas
Na vila dos mortos, nitidamente, havia uma divisão de classes sociais
Aí, o silêncio, que encerrara o colóquio, veio e me soprou no ouvido:
Aqui, em cima da terra, as casas são diferentes, embaixo, são todas iguais
Todas elas, as simples e as requintadas, são meras moradias de ossos
Debaixo da terra, os ossos se tornam indistinguíveis
Osso de preto, osso de branco, osso de mendigo, osso de juiz
Osso de latifundiário, osso de posseiro, osso de beata, osso de meretriz
Tudo vira a mesma matéria: dura, inerte, calcárea
Tudo vira o mesmo despojo: opaco e adormecido nos subterrâneos da memória.
Goiânia, setembro/21
Seu poema é como a descoberta do fogo: era tão óbvio mas ninguém pensou nele antes….
Seu poema é como a descoberta do fogo: era tão óbvio mas ninguém pensou nisto antes
Beleza de poema, Luciano.
Forte e duro como os ossos, tocante como a memória.
Fiquei muito emocionada.
No poema, roteiro da busca de respostas para a finitude humana, emocionante!
Muito forte, Luciano, nos ossos somos todos iguais.
Pungente relato de permanências na memória, dureza dos ossos e ternura das lembranças
Querido Luciano! Impressiona-me como me identifico com sua riqueza intrapessoal, fluidamente escrita. Mergulhei no tempo, recordando as minhas sensações, durante uma visita, pra lá de especial, ao mesmo São Miguel… Pude me ver penetrando entre jazigos e lápides, registros em si, de um pitoresco passado, preservado ao longo dos anos. De fato, grande parte da história da Cidade de Goiás, que recebeu da UNESCO, em 2001, o título de Patrimônio da Humanidade, se revela nesse lugar…