Tenho uma amiga da minha idade, amiga de infância, a melhor amiga, aquela que sabe tudo sem que eu precise contar. Assustada com seus esquecimentos, procurou um psiquiatra que lhe indicou fazer um teste de Alzheimer.
(Eu achava que ela esquecia aquelas bobagens que preocupam os envelhecendo: o enredo do filme que viu na Netflix na noite passada, nomes de amigos e ruas ou quando vai até o quarto buscar algo e esquece porque foi até lá!).
Essa amiga me perguntou se eu também não deveria me submeter ao teste. Fiquei quieta porque ela acreditava que os seus sintomas indicavam o curso da temida doença do Alzheimer. Não quis demovê-la simplesmente dizendo ser isso uma besteira. Queria me convencer que tanto ela quanto eu nos encontrávamos ótimas. Explicou que se submetia ao teste como precaução: em alguns anos seus filhos poderiam “cientificamente” comparar se seu esquecimento, hoje, era apenas proveniente do caminhar do tempo ou se, ao passar dos anos, a doença se instalara. Pensou que, se constatada a doença, talvez a tratassem com mais complacência e não,simplesmente, impacientes e impiedosos, como se ela fosse uma velha senil ou, na melhor das hipóteses, uma velha esquecida. (Sei que minha amiga vem acompanhando um caso de Alzheimer na sua família e, talvez, essa seja a razão para a tomada da sua inédita decisão)
Refleti que fazer o teste seria semelhante a ir ao dentista limpar o tártaro a cada seis meses. Submeter-me ao teste de Alzheimer seria como saber que há uma cárie – o esquecimento – um buraco vazio em algum lugar da minha cabeça. Seria como fazer meu testamento ou comprar um caderno e anotar uma linda história que já vivi.
Acovardei-me! Vou deixar o tempo me envelhecer como ele – tempo – decidir ou quiser!
Imagino que o Alzheimer seja uma morte contínua, constante e por fim ela mesma esquecida. Seria como se perdesse a minha eternidade!
Quando minha amiga voltou dos testes aplicados, confessou, inconsolável, que não conseguiu resolver duas questões propostas. (Pessoalmente, acredito que nem aos 20 ela teria conseguido resolvê-los porque às vezes parece ser disléxica).
Com o diagnóstico final, fomos brindar com champagne e um ótimo jantar. Mesmo o glúten e o açúcar sendo proibidos na nossa dieta, nos empanturramos de ambos. Minha amiga não tinha indícios da “doença do alemão” assim identificada para não ter que mencionar o medonho nome: Alzheimer.
Tenho certeza de que tanto o jovem quanto o velho patinam, desde sempre, a cada novo dia, sob uma fina crosta de gelo que pode romper-se a qualquer momento: nosso cérebro!
Não adianta enfeitar o cenário! Envelhecemos a cada dia e não gostamos da constatação. O envelhecimento não é apenas uma ameaça à nossa incorrigível vaidade; é nada mais nada menos do que a pura realidade. Sem ficção!
Diz um ditado grego:
” Não há nada mais permanente do que o temporário”
Mto bom! Adorei a comparação com o buraco no dente. Boa crônica para envelhescentes ou não.
Que magnífica combinação de fatalidade, contundência e humor. Muito refinado e frases lindas como “Seria como se perdesse a minha eternidade!”; “Fina crosta de gelo que pode romper-se a qualquer momento”; “Não há nada mais permanente do que o temporário”. Comemore muito, Bettina!
muito bom!
Cara Bettina, suspeito que esse seu nome deve provir de “better”: melhor. Primorosa a sua crônica. Uma crônica puro-sangue como deve ser esse nosso exercício de observadores do cotidiano. Seu texto é simples, direto e espirituoso. Quisera eu escrever assim. Tenho mania de complicar e, como envelhecente, devo ficar pior. Meus parabéns pelo texto. Um abraço!