Andava com passos lentos, detendo-se em intervalos regulares quando gesticulava em diálogos incompreensíveis e enfáticos. Vestindo calça jeans desbotada, velha e suja, e camiseta sem cor também suja, o boné que parecia novo inclinava-se na cabeça em movimento. Idade indefinida, por volta dos quarenta, rosto escurecido e bigode espesso, a expressão era dura, contraída, com olhos pequenos e apertados, opacos, sem conhecer sorrisos.
Carregava grandes pedaços de papelão que procurava equilibrar e ajeitava uma e outra vez, pois escapavam, ainda que tentasse arrumá-los. Breves paradas para exalar baforadas de fumo, encostar-se a alguma parede e acomodar os papelões, eram aparentemente cadenciadas, sem planejamento.
Repetidamente interpelava interlocutores invisíveis com movimentos das mãos e exclamações, requerendo, protestando contra injustiças, reivindicando, demandas enigmáticas nas palavras e reveladoras no gestual. Quem por ele passava não prendia sua atenção; reais eram os fantasmas, os transeuntes materiais pareciam transparentes. Um deles esboçou dar-lhe uma esmola, ao que estendeu automaticamente a mão e a recebeu, distraído em divagações.
Sentou-se finalmente ao lado de uma pilha de sucata; movia a boca e mirava a rua, os carros, atravessando as pessoas. De vez em quando notava alguém e, saindo do ensimesmamento, dirigia-lhe sons e gestos indicando direções, apontava: por ali, ande até tal lugar, pegue o ônibus tal… como se sentisse que estavam perdidos, sem noção de onde ir ou como chegar.
Mostrou-me um ônibus falando números e acenando com a cabeça que esse era o certo; nossos olhares se cruzaram fragmentos de segundos e uma tênue luminosidade pareceu se acender no fundo de seus olhos, ou seria nos meus.
Muito instigante. A captação do que está no nosso dia a dia de cidade grande. E desta vez, houve a troca de olhares. Um átomo do tempo…
Entre tantas possibilidades de encontro, olhares se cruzam para iluminar o cotidiano (cada vez mais exasperante) de forma sensível e singular, parabéns!