Clube dos Escritores 50+ Lourdes Gutierres Túnel

O túnel, crônica de Lourdes Gutierres

No meio do traçado da construção de uma estrada, havia uma árvore centenária. Teria de ser removida. A questão foi encaminhada para os moradores decidirem por plebiscito. Derrubar ou preservar? Apurados os votos, a manutenção da árvore ficou garantida. O projeto, ah, o projeto, que seja alterado, que seja arquivado, prevaleceu o desejo manifesto da população. Isso não é sonho, aconteceu de fato na Noruega, e me
foi relatado por um amigo que por lá estivera, portanto, testemunha ocular. Nessa época, éramos jovens e entusiastas. Essa realidade seria transposta para nosso país, quando não mais a ditadura, acreditávamos nisso. Nosso futuro era delineado entre sussurros, proibidos que éramos até de sonhar. Sonhos produzem ecos, pulsam, aglutinam gente – de autoritarismo, basta! Dessa época, guardei certos anseios. Em algum tempo, quem sabe, o tal futuro projetado possa me surpreender.

Lembrei-me do plebiscito da Noruega quando soube da construção de um túnel na Vila Mariana. Não há termos de comparação, afinal o que deu errado por aqui? Por que o povo é alijado de decisões que lhe dizem respeito? Penso na Ágora da Grécia antiga, mas isso também é sonhar demais, reconheço.

Tapumes encobrindo o canteiro central da avenida Sena Madureira chamaram atenção dos moradores. Afinal o que está acontecendo, um vizinho indagando o outro. Descobre-se que um antigo projeto começou a ser implementado. Em meio à perplexidade, moradores resolvem organizar o protesto: não ao túnel.

E no domingo, vai-se formando uma aglomeração no início da avenida. Os que moram mais perto, chegam a pé, outros vêm de metrô, aparece um grupo de bicicletas, várias. É preciso se inteirar dos fatos, tudo parece tão nebuloso. Pau Brasil, Jacarandá, Pau Ferro, entre centenas de árvores a serem extirpadas, é possível isso? Moradores desalojados, para onde?

De repente, a gente acorda com um caminhão na porta, vão derrubando árvores, como se ninguém estivesse vendo, diz a moradora. Com o semblante apreensivo, ela conclui: a gente não tem dinheiro, não tem condições de sair de lá. Um senhor de chapéu e camisa bege dá o seu recado – não é só o meio ambiente a ser afetado, a questão é social também, muita desumanidade! A amiga se aproxima de mim e sussurra em meu ouvido – falta amor nesta cidade. Uma voz mais racional se faz ouvir: esse túnel faz parte de uma espiral negativa, está-se criando uma cidade cada vez pior.

Em cima de uma mureta, o professor que mora na minha rua explica a importância da vegetação urbana – árvores absorvem CO2, reduzem poluição, proporcionam umidade, diminuem a temperatura, o ambiente fica mais saudável. Um cachorro solta-se da guia e circula no meio das pessoas. A moça a seu lado, acrescenta – ah, tem mais uma coisa, falam em compensação ambiental, mas colocam umas mudinhas em um canto
qualquer, não cuidam, morrem, por isso – não ao túnel! Entre aplausos, sai puxando o coro contra o projeto.

Alguém lembra que é chegada a hora do gesto simbólico. Com faixas e cartazes o grupo segue pelo canteiro central da avenida. Buzinas em sinal de apoio. Acenos, de lá e de cá. E junto às árvores, todos conectados pela preservação da vida, de mãos dadas gritam: Não vai ter túnel. Não vai ter túnel. Não vai…

A criança de vestido florido aperta a mão de uma mulher:
− Mãe, vai?

Um comentário

  1. A natureza lutando para sobreviver… lutando contra o concreto, as imensas construções… onde no futuro não teremos árvores… e já será tarde. E o homem do concreto, ficará olhando as imensas construções. Será tarde para o arrependimento…

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