De repente sentimos o chão tremer.
Os espelhos de cristal estilhaçados escorreram pelo chão junto com as últimas lágrimas saudosas da minha avó.
Os lustres dançaram acompanhando os músicos… mas era sua última valsa. Logo tombaram imóveis, corpos enrijecidos, translúcidos, que se apagaram para sempre.
As bandejas dos garçons voaram, projetadas pelo ar, mísseis infalíveis contra cabeças, teTos, costas, peitos rostos, janelas…
O alegre burburinho transformou-se num pesado silêncio. Apenas o som da melodia da morte.
Não havia mais necessidade de música.
Mas Elpídio, Stein e José, estatelados no palco, ainda agarravam seus instrumentos. Como se mantê-los junto ao corpo, mantivesse-lhes a imortalidade da alma.
José sorria irônico. Não viveria o bastante para perder as esperanças.
Stein lembrava-se de sua mãe morta, mas não temia ir ao seu encontro.
Elpídio, pela primeira vez, tirou a gravata que apertava seu colarinho e livrou-se do Tiradentes que havia dentro de si.
Estavam livres!
E, uma vez que seus instrumentos imortalizavam suas almas, puseram-se a tocar novamente.
Desta vez um jazz… um blues…
Novo tremor.
O salão rachou ao meio.
O teto despencava em câmara lenta, qual lava de um vulcão irado, cobrindo um por um de condes a cozinheiros.
Faltava o ar.
O único som a competir com a música eram os gemidos.
De, não se sabe onde, vinha uma música alegre do piano, do violino e da bateria.
De repente, nova explosão. Estilhaços. Fumaça.
O quadro de minha avó transformou-se em labaredas. Sua alma virou luz.
E então, tudo virou luz.
Inexplicável fenômeno físico-químico, a música também virou luz…
Terremoto, luz terrorífica, mas luz do começo ao fim do breve conto.
Seria isso o sublime terrível, assustador e explosivo, a poesia do tremendo.