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O tempo feito à mão

 

Por Regina Faria

Já faz um tempo que estou querendo escrever um post sobre o tempo da vertigem, tempo dos dias atuais, da velocidade dos trens-bala que parece não deixar rastro sobre rastro, apenas vestígios de experiências que não tiveram tempo de ser experimentadas.

Com o esboço pronto, pretendia terminar nesta manhã. Mas a vida cria seus caminhos e não nos pergunta se é de nosso agrado ou não vermos nossa rota se transformar.

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Hoje acordei com o meu itinerário pronto. Agenda apertada como a de todos aqueles que vivem em São Paulo. Às sete da manhã já me encontrava contando em voz baixa o número de abdominais “sugerido” pelo personal. Contagem intercalada com resmungos e pedidos de clemência.

Quando já se encontrava próximo o fim da aula, minha filha vira para mim e diz que dali sairia para fazer sua aula de Yoga. Sentada em posição de lótus começa a alongar o pescoço, movimento acompanhado de profunda respiração. Ao mesmo tempo vai me explicando calmamente como fazer para conseguir um bom resultado neste alongamento e como quem não quer nada me pergunta: quer ir comigo fazer uma aula experimental?

Minha resposta imediata foi NÃO, já estou exausta o suficiente! Mas ela insistiu e foi disparando os possíveis benefícios. Não sei se ainda me encontrava sonada, se foi o tom de voz usado por ela, só sei que me ouvi dizendo: Vamos lá, vou experimentar.

Foi assim que me vi dentro de uma sala enevoada pela fumaça de incenso, repleta de alunos embalados por uma música suave ao fundo. Minha filha indicou-me um lugar logo atrás dela. Sentou-se compenetrada e já absorvida pela calma que reinava no local. Tratei de me sentar como todos e decidi que, estando em Roma, faria como os romanos.

Fui me deixando conduzir pelo clima de tranqüilidade e concentração. E a aula começou. Acompanhando a fala do professor, ia experimentando os efeitos da proposta. Ironicamente, o tempo da vertigem ficou de fora da minha cabeça e do meu corpo. Agora eu podia experimentar o prazer de senti-lo passar lentamente.

Assim foi caminhando a aula até que um mantra encheu a sala com uma só palavra. E eu ali, repetindo-a com todos, me flagrei profundamente emocionada.  Embora fosse bom que os pensamentos ficassem de fora, não pude deixar de pensar que estava vivendo um daqueles momentos em que a gente percebe a vida bem vivida no corpo e na alma. Que amanhã a gente se vai, mas que nosso lugar não ficará vazio porque alguém já se sentou nele, carregando os mesmo genes, garantindo a eternidade! 

Em vez do tempo da vertigem registro aqui o eterno do tempo. Tempo dos bons encontros, tempo feito a mão, que não é marcado pelo relógio, mas sim pelas batidas do coração.

Filha, pode me puxar pela mão outra vez?

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A foto foi tirada no Musée d’Orsay, em Paris, o título é Life is short (A vida é Curta) e o fotógrafo, André Cortes, vive na Bélgica

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