Clube dos Escritores 50+ Sandra Silverio O que eles bebem Aquarela de Heloisa Herkenhoff

O que eles bebem?
por Sandra Silvério

Tudo começou quando descobrimos pequenos volumes ovalados e torneados, de um marrom escuro quase polido, espalhados pelo chão da cozinha. Estavam até na bancada de fórmica. E havia ainda uma banana totalmente cavoucada.

O horror da ameaça ia além de dar de cara com um rato asqueroso no meio da casa durante a noite. Leptospirose, peste bubônica, raiva e vários tipos de micose podiam nos atacar.

Assim começamos uma pesquisa na internet para decidir o que fazer. Cocho, girassol, chumbinho! É coisa que não acaba mais.  E ainda sem definição terminamos o dia em um jantar com a família, que também tem o seu lado “google” e adora mostrar isso. Um só encontro com os parentes rendeu pelo menos umas vinte receitas alternativas.

— Conhecem aqueles aparelhinhos de frequência sonora para espantar bichos?, disse meu irmão. Ali perto da ponte da Marginal, subindo pela esquerda para a universidade, tem um japonês que vende um que funciona. Dá um pulo lá.

— Não tia, disse minha sobrinha veterinária, é mais fácil você fazer um envenenamento em série, armando uma arapuca, porque eles são inteligentes. Faça assim: coloque um pote cheio de ração de cachorro como isca. No começo, vêm só filhotes para comer. Quando descobrem que é comida segura, eles avisam os mais velhos até que uma noite vêm todos em caravana para o banquete. Quando essa noite chegar, toda a ração vai acabar e aí você reforça a dose, mas desta vez adicionada de veneno. É extermínio total.

— Enquanto não resolver o problema, explicou o marido dela, deixe a casa acesa e os armários da cozinha, abertos à noite. Eles não gostam de luz. Ah, e tome cuidado com o forno. Ele é o paraíso dessas pragas: quente e escuro. Mantenha a luz interna dele acesa e coloque chumaços de algodão umedecidos com óleo de pimenta formando um cerco ao redor do fogão.

— Ah, e, é claro, lembrou minha cunhada, higiene total. Não deixe louça suja na pia e nem lixo orgânico por perto durante a noite. Mesmo de dia, coloque pesos em cima das tampas das lixeiras. Esses bichos são fortes.

Uau, pensei, claro, comem restos vitaminados.

— E olhe, retomou meu irmão, não é só queijo que eles comem. Eles gostam de gordura, tudo que é oleoso. Adoram pasta de amendoim.

— Puxa, eu também, admiti. Maionese, manteiga, requeijão e chocolate. É a nossa praia.

Então, para tranquilizar o pessoal, expliquei que em casa, na dúvida, resolvemos não deixar nenhum alimento à vista. Decidimos que as comidas, não interessa se abertas ou fechadas, ficam todas na geladeira. Pacote de arroz, coloca na geladeira. Saco de feijão, geladeira. Farinha, açúcar, lata de Ovomaltine, geladeira, geladeira, geladeira.

— Ah, tem outra coisa, reforçou a cunhada, não guarde caixa de papelão vazia em casa. Eles adoram.

Mas eu não iria mesmo guardar caixas em casa, pensei. Agora eu só guardo o que cabe na geladeira.

— O bom mesmo seria ter um gato em casa, falei para a família. Já cogitei. Mas meus filhos começaram a perguntar onde ele ia dormir, se ia ter caminha. E brinquedos? Quem ia ficar com ele quando saíssemos? Expliquei que gato é animal, fica no quintal, dorme lá, não precisa de companhia. Mas não adiantou e percebi que, indo nesse caminho, eu ia arrumar um problema maior ainda. E este sim sem chance de extermínio.

— A melhor coisa, disse minha irmã, como quem já ia dar a receita derradeira para o problema, é ferver xarope de milho com água em partes iguais. Ferve até engrossar, aí coloca nuns pedaços de papel e espalha a meleca virada para cima no caminho dos invasores. É dito e feito. Eles ficam presos. As patas grudam. Não conseguem se mexer!

Cruzes, pensei. E eu o que faço quando der de cara com um bando de ratos grudados no chão da minha entrada de casa? E vão estar vivos?

— O importante é passar cândida onde eles fizeram cocô, interrompeu minha mãe. Aí eles não voltam, e ajuda a evitar doenças.

Mas isso seria simples demais pra fazer sucesso, considerei. E foi nesse momento que um amigo da família lançou a ideia mais cruel dada até então.

— Cozinhe arroz, misture com pó de gesso e coloque em potinhos para eles. Eles vão comer e endurecer por dentro até morrer.

Uau!, chacoalharam-se todos.

— Bom, mas, se você não tiver gesso em casa, continuou ele, satisfeito em ver a reação da turma, pode dar coca-cola para eles.

Oi? Foi tudo que consegui dizer.

E ele, percebendo que estava causando, explicou:

— Esses bichos não conseguem arrotar nem soltar pum. Então, se tomam refrigerante, acabam morrendo entupidos com os gases.

Caraca, assim é muito fácil, falei. E perguntei: mas precisa ser refrigerante com açúcar? Em casa evitamos bebidas muito calóricas. Será que eles tomam coca zero?

2 comentários

  1. Gostei muito da sua crônica! Cada sugestão, uma surpresa, uma certeza misturada com total incerteza sobre a eficácia do método sugerido!

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