O quarto de empregada virou atelier. Assim mesmo, a palavra em francês: atelier. E na crise do conoravírus, Terezinha, sua ajudante, precisava dormir na casa durante a semana. Sua filha mais nova gritou ao telefone: você quer que Terezinha, morra?! Ainda por cima, sua xará, quer que ela morra?! Então tem de arrumar o quarto de empregada! Bedel, meu Deus, que grande bedel! Quarto de empregada jamais voltaria a ter. Atelier sim. Terezinha, minha xará querida, você precisa dormir no atelier. Eu, por que?! Tá louca?! Quero mais é ir pra casa todo dia. E eu, menina, quero mais é te ver pelas costas todos os dias. Mas não dá.
Bem, Terezinha ficou. Pediu mais dinheiro, sabia negociar, e Marieta lhe deu mais dinheiro, sim. Um terço do que ganhava, o que não era pouco. E Tereza foi obrigada a mexer nos seus trens. Uma sapataiada no armário do quarto de empregada, quer dizer, do atelier, podia montar uma sapataria. Coloca os sapatos de salto, que não usa mais, mas não tem vontade de dar, dentro de uma malona. Sobrou espaço e para os sapatos não se machucarem, jogou em cima deles um punhado de bolsas boas. É que só se consegue usar uma, uma de cada vez. Bom, então assim. Tereza tem de ficar em casa, e inveja Terezinha, que vai pra casa nos fins de semana. Quanto tempo ficará de quarentena? Marieta, Juca e Fernanda a vigiam. Rafael já estava de quarentena, se restabelecendo do tombo. E hoje, quando Fernanda, a mais braba de suas filhas chegou, Tereza estava fora, tinha ido dar uma volta. E Fernanda, quando ela entrou: me poupe, mãe, por que saiu?! Tá bom, não responde, nem quero pensar, mas você tem de pensar mais na gente! Não tinha ninguém na rua, só uns cachorreiros, diz Tereza, Alguns ciclistas, uma mulher mais velha que eu, de bicicleta, fiquei com inveja. Tá bom, agora vamos fazer compras por internet. Que?! diz Tereza. Sim, reclama a filha, você vai aprender. Tá, eu já compro livro. Ah compra?! Fernanda ri, é a mesma coisa. E era, e Tereza sem se aguentar, diz a Rafael: vê meu nego, sua mulher comprando comida pela net?! E Rafa rosna, porque não anda nada feliz com os acontecimentos. Um mundo besta, coitados dos cachorros, mas anda por aí, um mundo cão. Besta. Contra a internet nada contra, mas que anda por aí aqui e acolá um outro mundo, ah, isto sim, é fato. E pelo, menos nesse aspecto, sem fake news.
Crônicas de tempos estranhos. Um mundo besta, cão, e os acontecimentos giram. Bom retrato!