O primeiro prazer, por Sylvia Loeb


 

 

Essa boquinha aberta, o que você procura meu bebê? Meu peito, quer meu peito de novo? Espera aí, já vai, já já, que cara é essa? Não, não precisa vomitar, é tão ruim assim? Espera,  deixa eu te segurar com jeito, não precisa ficar com a testa enrugada, parece um velho de noventa anos, já nasceu velho, preocupado. Eu te protejo, não se preocupe, assim, assim, encosta a cabecinha no meu peito, tem leite e vai ter mais ainda se você aprender a mamar, mas não pode morder, ai!,  o bico está rachado de tanto que você morde, mastigar não pode, calma, quanta agitação, assim você me deixa nervosa, você nasceu, eu nem reclamei.

Sabe que você veio nadando? Uma cachoeira de água, vou te contar isso muitas vezes para você saber que veio nadando, talvez vá ser nadador, meu príncipe submarino.  Um calor quando você saiu, um jato quente, doeu, doeu muito, mas depois aliviou, ficou um buraco vazio dentro do meu corpo. Isso não vou te contar, do buraco que ficou dentro de mim, mama meu leite, ele está aí pra você, meu corpo fabrica esse leite quente, vem de mim, de dentro de mim, não é um milagre?

Você é um milagre, as unhas transparentes vão acabar de ser fabricadas aqui fora, a unha parece uma película de ovo, tão fina, vejo suas veias , tem sangue meu aí dentro, tudo que você é fui eu que fiz, você nasceu de mim, fui eu que te dei vida, claro, você não me deve nada, mas é bom saber, você entrou em mim feito uma sementinha, sim, seu pai que botou lá dentro, mas o recipiente fui eu, é uma loucura. Nada disso vou te contar porque é muito louco e você é um homenzinho que não sabe nada e nunca vai saber dessas coisas porque homem não sabe disso.

Assim, assim, mama, mama meu leite, junto com leite dou tudo o que eu tenho e o que não tenho, preciso tomar vitaminas para o cabelo não cair, para meu leite ficar forte e alimentar meu príncipe submarino. Pode dormir sossegado, você ronrona feito um gatinho, o velho de noventa anos não está mais aqui, foi embora, isso, foi embora, o buraco vazio no meu corpo. E agora?

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

Um comentário

  1. Lembrei do livro ‘enclausurado’ [McEwan] – em que há reflexões saindo da cabeça de uma criança não nascida, ainda em gestação. Ali, quem narra é o bebê. No seu texto [seu = Loeb], é a mãe. Em ambos, no seu texto e no livro dele, tem um caldo de ambivalências [mais no seu do que no dele]. Aqui, no seu conto, a mãe é especialmente desagradável [e trata criança com um misto de orgulho, posse e incômodo…].

    faço um link! a boca que morde é a mesma que, adiante [muito mais tarde], usa o seio de outros modos. De maneira que, no seu texto seguinte, ‘Farol’, lemos: “seios que não amamentaram crianças, mas deram muito prazer aos homens”.

    As Ficções se interconectam!

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