Sentou-se no último banco livre do metrô. Grávida de oito meses, não precisaria ceder seu lugar a nenhuma idosa. Suspirou algumas vezes, estava cansada, a barriga…ajeitou a bolsa no colo, aconchegou contra o corpo. O metrô partiu veloz, ainda bem que já estava sentada. Respirava pausadamente, ganhando tempo, perdendo tempo, de propósito. Alisava a bolsa de veludo vermelho. Devagar abriu o zíper e ficou olhando para dentro escolhendo alguma coisa que já sabia qual, um pequeno espelho redondo que cabia na mão em concha. Levantou o braço, a mão diante do olho. E foi olhada pelo olho aberto dentro do espelho. Piscou algumas vezes. Baixou o braço respirando forte, a mão no colo. Levantou o braço novamente, a mão diante do rosto. O olho do espelho olhava o outro olho, a boca, as sobrancelhas, os cílios, a testa, as maçãs do rosto, o pescoço. Abriu um pouco os lábios, mostrou a pontinha da língua cor de rosa para o olho que não cansava de olhar. Fechou os lábios, suspirou. De dentro da bolsa tirou um pote de creme com que, amorosamente, cobriu a pele de fina camada perolada. Dedos treinados percorriam todos os espaços escondidos que um rosto pode ter, os cantos das narinas, o espaço entre as sobrancelhas, as fissuras dos lábios. O alto das maçãs do rosto recebeu um tom rosado de um pincel negro, peludo. O olho de dentro do espelho olhava atento. No meio das sobrancelhas, um toque de prata; pálpebras matizadas por sombra malva. Embebido em tinta negra o pincel minúsculo alongou os cílios. O batom rosa claro, uma nuvem de perfume no pescoço. Atento, o olho olhando, sempre olhando. Um pequeno sorriso enrugou um pouquinho a pálpebra de um lado. mais do outro. Apagou o sorriso, a pálpebra voltou a ficar lisa. de um lado sim, do outro, menos. Suspirou fundo, cansada. Guardou todo o material dentro da bolsa de veludo, fechou o zíper, aconchegou a bolsa contra a barriga. Na terceira estação desceu do trem. Ninguém mais a olhava, a não ser eu.