O menino,
por Liliana Wahba

 

 

 

Mais uma longa noite de silêncio ensurdecedor; à espera. Do fundo do peito tambores dos soldados marchando na praça, quando o olhar admirado se elevava para o pai de olhos gelados e mãos enormes que o seguravam com firmeza. Esperava, agora, a hora dos passos na escada: t-u-m, batidas do coração, t-u-u-m, cada degrau, ambos em compasso. A sombra gigantesca aproximando, o ranger da porta, a mão agigantada, medo, e mais nada, absorvia-se em si.

 

LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

 

 

 

2 comentários

  1. Muito bom Liliana!
    Impactante.
    Em poucas palavras, de modo brutal e enxuto você narra a experiência de aniquilamento do menino diante do pai terrorífico.
    O seu menino, irmão do menino que foi Graciliano Ramos, que sobreviveu à brutalidade do pai.

    A literatura é mágica; leva cada leitor por caminhos que têm a ver com nossa imaginação, enriquecida e assombrada pela memória.

  2. Muito bom! Tive de ler umas quatro vezes até que se desenhou na minha cabeça a alegoria do processo de preparação ao sono. Do ponto de vista da criança, claro; mas claro também que vale pra qualquer idade – já que o sono não tem idade. Parece que há quase que uma operação bélica [toda noite] para que se possa adormecer. Admirável que no seu escrito apareçam ‘soldados marchando na praça’. Seus passos se articulam com batidas do coração – e com tambores [e com pés escada acima – ou abaixo]. Até que a grande sombra venha cobrir tudo. A sonoplastia inclui ainda ‘ranger da porta’! Finalmente: ‘Absorver-se em si’ – que bela maneira de nomear o sono.

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