O menino girafa, por Liliana Wahba

Lá pelos seis anos, sem mais, ia se pescoçando. No início quase imperceptível, a mãe notou qualquer coisa diferente. Aos poucos se fazia visível, o pescoço estirava, sem explicação.

Com 12 a cabeça estava nas alturas. Tiveram que construir uma cama especial com pequeno estrado superior para o travesseiro. Era difícil andar na rua, tropeçava em todo e qualquer obstáculo. Dominava as altitudes. Os sentidos também aguçaram: um efeito secundário que tampouco tinha explicação.

Meteorologistas o chamavam, conseguia prever mudanças climáticas melhor que qualquer sensor. Via e ouvia as distâncias e, mais notório, percebia nuances de comportamento por vir.

Era capaz de intuir o futuro, pois era sensível ao presente: em qualquer grupo detectava o amor, o rancor, a suspeita, o medo. Por vezes isso ajudava  a desfazer conflitos.

Realizaram-se juntas médicas de todas as nacionalidades. A causa, desconhecida; seria um gene recessivo, o excesso de soluços da mãe na gravidez, a curiosidade de abarcar outros mundos, não sabiam. Os mais ousados conjeturaram ser uma mutação antecipando o rumo da evolução.

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LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

 

 

Um comentário

  1. Entre o menino girafa e a mulher que se transmutou inteiramente depois de uma plástica bem (?) sucedida, você nos faz pensar no futuro: o que nos espera? Melhor dito: qual futuro aguarda nossos netos, nossos bisnetos?
    O mundo está mudando, sem dúvida. E mudando em tal velocidade, que precisamos correr atrás para tentar lidar com novos desafios. Haja compreensão, haja abertura de cabeça, haja abrir mão de nossas certezas.

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