O menino pergunta:
minha mãe morreu?
Não.
O menino pergunta:
minha mãe está encantada?
Sim.
Tem veneno no ar, é proposital.
O pernilongo cai na minha mesa, fico olhando. Bate as asinhas, tenta voar, não
consegue, tenta novamente. Não consegue.
Movimenta-se com mais vigor, falha na tentativa do voo, arrasta-se uns 3 ou 4 cm.
Experimenta ficar em pé, cai, as pernas não aguentam o peso.
Já são mais de 5 minutos. Os mesmos movimentos, cada vez mais descoordenados,
debate-se, cada vez com menos força. Por momentos fica paralisado… e retoma com
maior ímpeto.
Está brigando com a morte. Levanta as asinhas no estertor de alcançar as alturas, no
desejo de sangue. Fracassa novamente, fracassa mais uma vez e mais uma.
Continua se arrastando na minha mesa, sua futura tumba. Em agonia, descansa
debaixo de um envelope. Afasto o papel para ver melhor. Começa a rodopiar, para e
descansa, experimenta novamente e num bater desordenado de asas, vida se esvai.
O menino pergunta:
O pernilongo está encantado?
Sim.
O menino começa a chorar.
Leia na mesma série: A terra que nos acolhe e É possível que nesse momento...Baratas e pernilongos e nossas crueldades do dia a dia
Sylvia, gostei muito do conto . Tão enxuto e intenso . As duas historias – mãe encantada e choro fraquinho de criança nas beiras do cotidiano. O olhar atento do narrador traz tudo à tona .
Sylvia, adoro ler os textos que você escreve. Este é mais um tocante. Um prazer.
Leo, obrigada pelo retorno. A gente sabe como precisamos disto.
Beijo
Aurita, você sabe o poder da sua avaliação para meus textos. Obrigada, fico muito feliz.
Aurita, respondi ao seu comentário no lugar do comentário do Leo. Não consegui editar ou copiar o mesmo aqui.
Digo então o que já disse lá, com outras palavras, obrigada, viu? Seus comentários são preciosos. Fico muito feliz.
Comovente, as palavras se tornam imagem, o menino e a mãe perdida/encantada, a efemeridade transpassada pela poesia, esta feita de lágrimas, de ganhos e perdas. O mosquito morre, o menino se sustenta no encantamento. Bela escrita!
Lili, os seus comentários são tão abrangentes, sempre um outro olhar, que enriquece minha compreensão. Obrigada.
Sylvia, um conto poema. No mosquito “encantado” o menino vê a mãe “encantada”. E começa a chorar. Sua mesa, a futura tumba. Que duro para uma criança lidar com a morte da mãe…
Muito duro, sim. As crianças são tão frágeis, não?
Somos também parte da natureza. Muita vezes esquecemos isso. Sofremos os mesmos processos incontroláveis de um pernilongo. Frágeis e fortes.
Sylvia, lindo conto. Uma lição de síntese e profundidade. Que belo olhar de narrador!
Nossa, Sylvia, que lindo, que final surpreendente e emocionante. Amei, amei!!!
Sylvia, este conto é encantado… Volta e meia, ele me retorna…