No final da tarde de um dia chuvoso, o trânsito enlouquecedor com seus caprichos maldosos: muitos automóveis parados, buzinas impacientes nos semáforos não sincronizados, crianças e velhos pedindo esmola, a aflição de chegar em casa e sair desse espaço caótico, molhado, barulhento. Finalmente meu carro chega ao farol, sem possibilidade de ir para frente ou para trás, lugar ideal para assaltos.
O rádio ligado em música clássica. Já ouvi todas as notícias do dia: mais um esquema de apropriação dos bens públicos, mais desmentidos das excelências que elegemos para nos governar, um incêndio na favela, tiroteio dentro de um shopping, felizmente sem vítimas, a polícia que ainda não chegou.
Tento por em prática a respiração que aprendi na yoga, prestando atenção no ar que entra devagar, depois devo prender… segurar…atenção no ar que sai, segurar…que entra, segurar e um susto de uma criança que bate no vidro ou um soluço de alguém que não consigo ver, e ponho tudo a perder, onde estava mesmo? Na Yoga…que Yoga?
Lá na frente, mais um malabar. Conseguem trazer beleza e graça para as ruas. Este se movimenta sinuosamente na malha negra e justa que modela o corpo de garoto.
Pelos braços estendidos, feito asas de pássaro, desliza um globo de cristal que filtra a luz dos faróis dos carros, refratando pequenos raios coloridos. A esfera passa por detrás da cabeça e chega ao ombro em direção ao outro braço, escorregando até as pontas dos dedos da mão, onde para numa pose de se deixar ver. O globo de cristal vibra por segundos para retomar o caminho de volta, percorrendo o braço, até chegar ao peito, onde novamente para, em exposição. Em seguida, com um pequeno gesto imperceptível a esfera percorre vagarosamente o rosto do garoto para, em seguida, escorregar por um dos braços até pousar na mão, pássaro de cristal. O malabar acolhe a esfera com as duas mãos, coloca-a no centro do peito e abaixa a cabeça em gesto de agradecimento. Acabou o espetáculo, o farol abriu. Os carros arrancam, buzinam, pergunto a ele do que é feita essa bola, de vidro? Ele me dá para segurá-la, pesada e fria em minha mão. Tenho medo de derrubar, de quebrá-la. Agradeço e vou embora com o coração que tornou a bater no ritmo da natureza.
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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!