O limbo, por Bettina Lenci


 

 

Logo não teremos mais porta – retratos sobre o criado – mudo para lembrar de um momento que se foi. Com uma simples pressão do dedo no celular, o filho envia a  foto que tirou com a namorada  para  o celular da mãe do outro lado do oceano. Ela por sua vez não tem como colocar a foto dele e a namorada no porta – retrato. Só quando abrir o celular para ligar para sua amiga, se lembrará de que tem um filho.

Dentro em pouco não teremos mais onde nos procurar. Estaremos eternizados em alguma maquininha já substituída por outra mais moderna. Certamente quando eu acabar de escrever estes meus pensamentos, já existirá uma maneira ainda mais rápida e dependente de um novo aparelho para enviar fotos para minha mãe. Vi na casa de meu irmão, um homem ligado 24 horas na modernidade que tem um porta – retrato que vira, a cada 5 segundos, uma nova foto. Fiquei olhando as fotos como se tivesse vendo um álbum antigo folha por folha. Perplexa, queria saber como foi que elas foram parar lá,  mas  fiquei com preguiça de perguntar por que não ia entender . Bateu-me uma saudade grande dos velhos álbuns, pesados, empoeirados, as fotos semi – presas e prontas para se desprenderem dos triangulozinhos que perderam a cola, as fotos amareladas ou azuladas se coloridas e conclui que não tenho vontade de ter um porta – retrato digital em minha prateleira. Os momentos tornam-se fugazes e a lembrança desaparece .

Um dia os mega e os bytes vão fazer uma greve e ameaçar explodir a memória  dos computadores e ai as fotos cairão num limbo como corpos inertes enterrados embaixo da terra. Neste momento prefiro reavivar a memória com as fotos  coladas no álbum que não se perderá.

 

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BETTINA LENCI – Uma empresária que se realizou tendo como início profissional a história da arte e a fotografia, mas que, posteriormente, descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.

3 comentários

  1. Ocorreu aqui uma coisa curiosa com o hífen – terá sido acidente? [se sim, tanto mehor].

    Ele [hífen] separou demais as palavras. Daí eu li: ‘logo não teremos mais porta’! e achei isso interessantíssimo! Com criado-mudo aconteceu a mesma coisa.

    Assim:

    ‘retratos sobre o criado’.
    ‘mudo para lembrar’.

    E o texto virou poesia…

  2. Quanto ao conteúdo do texto, concluo que a banalidade extingue coisas caras.

    Nunca mais comprei um CD – com o advento da internet.

    justo eu que esperava ansioso o lançamento no passado dos artistas alvos do meu amor.

    pode-se baixar qualquer música a qualquer tempo hoje em dia.

    não ouço mais!

    Mas isso é uma longa estória…

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