O farol,
por Sylvia Loeb


 

 

Os dentes brancos brilham entre os lábios pintados de vermelho; rodeados de minúsculas rugas, os olhos azuis refletem a cor do mar.                                                                                   

– Sair comigo sem me conhecer…você está se arriscando…

Ela se remexe lentamente, é a cobra aninhada nos quadris que acorda e sobe preguiçosamente pela coluna; o pescoço se alonga, ela se vira de perfil -, sabe que é mais bonita vista do lado direito -, sente o calor que se filtra pelos pés, se espalha pelas pernas, pela bacia, morno e rosado.

– Você está se arriscando…  Os olhos dele se fecham em uma fenda negra através da qual focaliza melhor cada centímetro do corpo dela, a boca cheia de água, guloso.

–  Estou me arriscando?…. desdobra a perna que estava em cima da outra, alonga as duas, faz uma tesoura no ar, os pés esticados, as unhas vermelhas, faiscantes. Ajeita o corpo no banco duro do bote de madeira, o calor se espalha, morno e rosado, tinge o pescoço, o rosto.

– Você tem um belo corpo, quantos filhos tem?

– Não importa… o quê mais em mim?

– Quer um laudo?

Ela ri, descruza e cruza as pernas do outro lado, empina os seios, joga os cabelos para trás, pronta para ser degustada, devagar.

– …tem corpo esculpido de quem faz muita ginástica, formas moldadas com harmonia; seios que não amamentaram crianças, mas deram muito prazer aos homens, cintura perfeita para enlaçar… o tempo está mudando…

– Como?! O que você disse? Ela pergunta, sorrindo.

– Nuvens escuras estão se formando, – ele começa a remar- , melhor sairmos daqui.

Ele vê o sorriso dela se desmanchar devagarinho, hesitante.

Ela olha para o mar, repentinamente revolto. O bote balança, ela abre as pernas para se equilibrar, agarra-se na borda do barco, as pontas dos dedos esbranquiçados.

Ele rema, mas ele não sabe remar. Ela vê.

– Cuidado! O barco está se aproximando das pedras! O medo na voz rouca, as veias do pescoço saltadas, o grito que se forma estufa a garganta dela. Tudo isso ele vê.

Vê também as ondas crescendo e estourando no costão, os pescadores ali perto, observando.

– Cuidado! A canoa vai bater! Ela uiva ainda dentro do barco, que se espatifa nas pedras, transportado por uma onda negra que vomita espuma e se retrai, preparando novo ataque.

A mulher afunda, ele vê o caiçara se aproximar nadando e com braço forte tirar a mulher da água, a mulher que chora e se agarra, isso também ele vê, se agarra no caiçara negro e alto e forte e estável, como um farol fincado em cima da rocha.

 

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SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!

8 comentários

  1. Eu estava aguardando um mau acontecimento. À moda Hitchcock. Coisa que de fato ocorre. Porém, eu pensava que a fêmea iria dar o bote [pra se contrapor ao macho que a alerta: ‘vc está se arriscando’].

    ‘Bote’ tem dois sentidos.

    E a palavra – olha só – aparece aqui no conto no outro sentido.

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