Os dentes brancos brilham entre os lábios pintados de vermelho; rodeados de minúsculas rugas, os olhos azuis refletem a cor do mar.
– Sair comigo sem me conhecer…você está se arriscando…
Ela se remexe lentamente, é a cobra aninhada nos quadris que acorda e sobe preguiçosamente pela coluna; o pescoço se alonga, ela se vira de perfil -, sabe que é mais bonita vista do lado direito -, sente o calor que se filtra pelos pés, se espalha pelas pernas, pela bacia, morno e rosado.
– Você está se arriscando… Os olhos dele se fecham em uma fenda negra através da qual focaliza melhor cada centímetro do corpo dela, a boca cheia de água, guloso.
– Estou me arriscando?…. desdobra a perna que estava em cima da outra, alonga as duas, faz uma tesoura no ar, os pés esticados, as unhas vermelhas, faiscantes. Ajeita o corpo no banco duro do bote de madeira, o calor se espalha, morno e rosado, tinge o pescoço, o rosto.
– Você tem um belo corpo, quantos filhos tem?
– Não importa… o quê mais em mim?
– Quer um laudo?
Ela ri, descruza e cruza as pernas do outro lado, empina os seios, joga os cabelos para trás, pronta para ser degustada, devagar.
– …tem corpo esculpido de quem faz muita ginástica, formas moldadas com harmonia; seios que não amamentaram crianças, mas deram muito prazer aos homens, cintura perfeita para enlaçar… o tempo está mudando…
– Como?! O que você disse? Ela pergunta, sorrindo.
– Nuvens escuras estão se formando, – ele começa a remar- , melhor sairmos daqui.
Ele vê o sorriso dela se desmanchar devagarinho, hesitante.
Ela olha para o mar, repentinamente revolto. O bote balança, ela abre as pernas para se equilibrar, agarra-se na borda do barco, as pontas dos dedos esbranquiçados.
Ele rema, mas ele não sabe remar. Ela vê.
– Cuidado! O barco está se aproximando das pedras! O medo na voz rouca, as veias do pescoço saltadas, o grito que se forma estufa a garganta dela. Tudo isso ele vê.
Vê também as ondas crescendo e estourando no costão, os pescadores ali perto, observando.
– Cuidado! A canoa vai bater! Ela uiva ainda dentro do barco, que se espatifa nas pedras, transportado por uma onda negra que vomita espuma e se retrai, preparando novo ataque.
A mulher afunda, ele vê o caiçara se aproximar nadando e com braço forte tirar a mulher da água, a mulher que chora e se agarra, isso também ele vê, se agarra no caiçara negro e alto e forte e estável, como um farol fincado em cima da rocha.
__________________________________________________________________________________________
SYLVIA LOEB – É psicanalista e escritora. Visite seu site, acesse sua página no Facebook ou escreva para o email [email protected]!
O moço que não sabia remar e não sabia amar…
O farol no fim do túnel surpreende: um deus negro.
Beijos
Eliana,
Gostei que você se surpreendeu!
Funcionou.
Beijo
Eu estava aguardando um mau acontecimento. À moda Hitchcock. Coisa que de fato ocorre. Porém, eu pensava que a fêmea iria dar o bote [pra se contrapor ao macho que a alerta: ‘vc está se arriscando’].
‘Bote’ tem dois sentidos.
E a palavra – olha só – aparece aqui no conto no outro sentido.
Boa ideia que eu deixei escapar! Andar de bote e dar o bote…
Não conhecia esse grupo! Adorei o estilo diferente, acredito que vou gostar muito!
Beatriz, seja bem vinda no nosso clube! Sim, você vai gostar muito!
Gostei Sylvia. Dá para visualizar através da sua boa escrita, os dois momentos.
falei para mim: eu nao teria entrado nesse bote. Uma fria!
Mulher experiente não entra em barco furado!