O DIA SEGUINTE
Minha alma, meu coração e o corpo que os contêm silenciam.
Todavia, a capacidade de observação e análise, sem conclusões – continua ativa. Talvez, muito influenciada pelo livro de Eliane Brum, Banzeiro Òkòtó, sobre o futuro do nosso planeta que passa pela Floresta Amazônica, penso sobre o nosso dia seguinte. Além de uma escrita de dar inveja, poética e comovente, a autora é duríssima sobre os fatos que bem conhece, pois deixou São Paulo para ir viver em Altamira (Pará) e ver de perto a trágica realidade de hoje: a destruição sistemática que resulta ser a nossa sobrevivência aqui na Terra.
O que será nosso dia seguinte à aniquilação do homo sapiens, nada sapiens, por aqui? Como disse, meu coração e alma silenciam sobre o que vivemos hoje. Apesar da Covid e suas graves consequências, as mesmas que as pessoas alardeiam “não aguentarem mais”, minha alma e coração silenciam frente ao excesso absurdo de conselhos dados por influenciadores que só sabem vender produtos, prazeres e tudo o mais que nos coloque de bem com a vida, objetivo único para sermos felizes. Apesar da mesmice, cada um destes protagonistas acredita que o que vende é indispensável e de última geração. (Ineditismo mesmo é o fato de bebês, crianças e jovens estarem afogados no computador e, os adultos, incapazes de deixar seu vício).
Porém calo-me, cada vez mais surpreendida, diante da facilidade com que assuntos sensíveis à nossa psique são decifrados irresponsavelmente. Focadas no comportamento íntimo das pessoas, aumentam as análises supostamente psicanalíticas em tom de autoajuda. Poluem conselhos desnorteantes e receitas prontas sobre o amor, justapostos à realidade do difícil relacionamento entre nós humanos.
Calo-me, perturbada, a alma em silêncio – mas não morta – frente à verdade pior: a visualização nas redes, constante e específica, sobre as diferenças estelares entre a pobreza miserável e a riqueza indecente. Simultaneamente é postada a foto de uma casa de 9.000 mt2 onde iates estão ancorados, cujo aluguel é de U$ 300.000/dia e um jantarque pode custar U$15.000,00 e no toque seguinte, a afrontosa fome na África e adjacências. Crianças mortas, afogadas ou subnutridas, expostas ao sol e frio, vivendo em campos de refugiados que não se justificariam nem para criminosos de alta periculosidade pagarem sua pena.
Enfim… é bom ter a informação e é bom obtê-la com facilidade, mas, esta realidade massacrante parece sem vontade de encontrar uma solução, ao contrário, parece tornar-se cada dia mais sufocante.
O livro de Eliane Brum sobre a Amazonia poderia ser um livro de ficção, mas não o é! É um alerta de urgência urgentíssima, de gravidade absurda e de pouco caso por parte do Estado e a maioria de nós, habitantes deste planeta. Cada vez mais obliterados pela facilidade e compensações da internet, desligamos o botão delete sobre o futuro e, pior, sobre a nossa consciência.
Sinto um vazio sem nome. Um coração sem rumo. Um vago sentido de medo e perda. Não faltam filmes catastróficos sobre o destino da humanidade. Quando me transporto para o cenário, já me vejo usando altas botas de borracha sintética contrafogo, chafurdando na lama em busca de alguma raiz que tenha sobrevivido ao holocausto. Sem água e árvore para pousar minha cabeça, sem mais passado para lembrar. A máscara não mais de papel, mas aquelas que os astronautas usam para respirar, com um microfone embutido, caso encontre ainda um ser humano para me comunicar, incinerado o meu computador. Dentro da roupa espacial, um calor insuportável, refrigerado, até o momento em que o combustível fóssil da reserva acabar.
Enfim, um horror comparável ao horror subliminar que vivemos, hoje, aqui, em uma sociedade global indiferente, individualista, voltada para as conquistas fáceis e malfeitos imorais e… sem compaixão!
“Não aguento mais” não pode ser palavra de ordem neste nosso caótico dia a dia, apesar de eu lançar um olhar pesaroso e crítico sobre um mundo muito complexo para entender por que caminhos se direciona. Acredito – sem segurança de afirmá-lo – que já nos encontramos no ponto de não retorno, termo que a brilhante jornalista se refere quanto à sobrevivência da Amazônia, do Planeta e de nós mesmos.