Post Clube dos Escritores 50+ Cibele Fonseca O casamento de Miss Rigby

O casamento de Miss Rigby,
por Cibele Fonseca

Miss Rigby já havia desistido de se casar.

O problema é que não é por assim dizer “conveniente” que uma mulher de meia idade fique solteira. Sozinha, sem ninguém para cuidar ou ser cuidado.

Mas ela era muito exigente. Que eu saiba três ou quatro “bons pretendentes”  foram dispensados por motivo banal:

– Ele não é muito alto…

-Não gostei do terno dele.

– Que tipo de rapaz escreve cartas iniciando com “À minha pequena rouxinol…”

Com o passar do tempo, Miss Rigby se tornou um pouco amarga e claramente sem esperança de achar sua cara metade. Até porque nada menos que a perfeição seria admissível. É interessante como ela permaneceu fiel por tanto tempo a seus princípios.

Até que surgiu Thomas.

Thomas não é alto. Também não usa ternos cortados ao melhor estilo inglês. Não se sabe exatamente de onde veio, e muito pouco se  fala de sua família. Virão ao casamento? No entanto, a felicidade que toma conta de Ms. Rigby é tão contagiante e seu sentido de urgência tão premente que foram dispensados os protocolos de praxe. Ela comentou que ele não é da cidade e trabalha com comércio. É o que sabemos e nos basta.

Discretamente, como era de se esperar, Miss Rigby namorou, noivou e vai se casar com Thomas na elegante e singela Igreja de Saint Anne em Aighburt, Liverpool. É para lá que estamos indo agora.

Na categoria de uma das melhores amigas da família espero chegar cedo para ver de perto a cerimônia. O dia está especialmente lindo. É verão mas não está muito quente e o final desta tarde parece ter sido preparado por encomenda. Tons de vermelho e púrpura preenchem o céu.

A igreja está lindamente decorada sem ostentação e o perfume das flores já tomam conta do lugar. Praticamente sou uma das primeiras a chegar e nestas ocasiões invariavelmente somos tomados pela nostalgia.

Começo a me lembrar da trajetória da noiva até aqui.

Ela queria tanto se casar que desde quando éramos muito jovens começou a preparar seu enxoval. Toalhas de mesa bordadas ao longo de uma vida. Pequenos forros de linho sem muita função, mas que pareciam bibelôs de tecido. Ela realmente era muito habilidosa.

E as camisolas…

Pura seda em cores suaves guardadas em uma gaveta especial. Perfumada. Peças de tecido mantidas tão castas como ela mesma.

A cada possível noivo, novos itens eram providenciados. Quando a quantidade de tolhas, lençóis e forros se tornaram tantos quanto disponíveis em uma seção da Harrold´s, Miss Rugby tratou de se apressar.

Ajudei a escolher o vestido. Ela não queria nada muito suntuoso:

– Doris, já tenho mais de 30 anos. Quero algo elegante, como Grace Kelly- dizia.

E assim foi feito em tafetá de seda e renda. O corpete valorizava a silhueta longilínea de Miss Rugby e pequenas aplicações de rosas aqui e ali davam um ar de jovialidade ao figurino. A cauda gros de longue não era lá tão longue, mas o suficiente para ficar bem na foto.

O arranjo na cabeça era bem simples e sem volume, já que ela não queria parecer mais alta que Thomas . Optou por prender os cabelos com uma camélia. E o buquê foi feito de flores colhidas de seu jardim e presas com um laço.

A igreja já está quase cheia e receio que a noiva deva estar a caminho. Os músicos começam a testar seus instrumentos e a emoção começa definitivamente a tomar conta do ambiente. Padre Mackenzie parece mais impaciente que o normal. Ninguém nunca ousou fazê-lo esperar.

Mas onde está Thomas? Uma senhora se sentou atrás de mim sem que eu notasse e sussurrou ao meu ouvido:

-Ele não virá.

 Um frio subiu pela minha espinha antes que eu pudesse identificar de onde vinha aquela mensagem de mau agouro. Assim que me virei a mulher já não estava  mais lá. Como assim não virá? Que brincadeira é essa? Quem é essa mulher? Será verdade?

Enquanto isso o tempo foi passando e percebo uma certa inquietação. De fato já estamos contabilizando 20 minutos de atraso. Resolvi estar com a noiva para ver se sabia de alguma coisa. Meu Deus. Que situação! Ninguém que eu conheça em toda Inglaterra passou por uma humilhação dessas…

Corri até a porta e me deparei com Miss Rigby pronta para entrar na igreja lindamente posta ante a majestosa porta central.

-Eleonor! Graças a Deus! Onde está Thomas?

– Ele não virá. Acabei de receber esta carta de uma senhora.

Neste instante ela me entregou um papel que dizia o seguinte:

“Querida Eleonor,

Em primeiro lugar gostaria que você nunca duvidasse de meu amor.

Por amá-la tanto sinto que chegou o momento de dizer adeus e sinto ainda mais por não tê-lo feito antes.

Tentei escapar da realidade mas ela insiste em me atormentar.

Não posso me casar com você, pois já tenho uma família. Mulher e 4 filhos me aguardam em Manchester para o jantar(…)

Quando ler esta carta não mais me verá. Não me procure. Terei de ignorá-la e quem sabe até tê-la como louca.

Não fique solitária. Encontre seu destino.

Com Amor,

Thomas”

-Eu pedi ao Padre Mackenzie que avisasse a todos e preparasse o sermão, mesmo que ninguém fosse ouvir. – disse a noiva conformada

Eleonor não ficou bem. Tentei me aproximar várias vezes depois, mas ela se tornou reclusa. Dizem que de vez em quando é vista na porta da igreja recolhendo o arroz de outros casamentos.

NOTA DA AUTORA

Eleonor Rigby é sem dúvida uma das mais belas e emblemáticas canções já criadas de autoria de Paul McCartney, apesar de que a bibliografia menciona colaborações de todos os outros Beatles.

Paul gostava de criar personagens em suas músicas e em outras oportunidades nos introduziu Lovely Rita, Marta My Dear – que na verdade era sua cadela – e Eleonor Rigby, alguém que nunca conheceu a não ser pelo nome lapidado em seu túmulo no cemitério de Woolton em Liverpool.  De acordo com as inscrições morreu aos 44 anos em 1939 e era casada com Thomas Rigby.

Outras versões sobre o nome são citadas, pois Paul já disse ter sido inspirado por Eleonor Bron, atriz principal do filme “Help” e o sobrenome Rigby tirado de uma loja de bebidas em Bristol.

Na imaginação de Paul era uma mulher solitária . Na realidade registros dão conta de que era uma faxineira do City Hospital de Parkhill.

Pessoas solitárias. De onde elas vêm?

Eleonor Rugby

by Lennon e McCartney

Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby picks up the rice
In the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face
That she keeps in a jar by the door
Who is it for?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Father McKenzie writing the words
Of a sermon that no one will hear
No one comes near
Look at him working, darning his socks
In the night when there’s nobody there
What does he care?

All the lonely people, where do they all come from?
All the lonely people, where do they all belong?
Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby died in the church
And was buried along with her name
Nobody came
Father McKenzie wiping the dirt
From his hands as he walks from the grave
No one was saved

All the lonely people
(Ah, look at all the lonely people)
Where do they all come from?
All the lonely people
(Ah, look at all the lonely people)
Where do they all belong?

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