Clube dos Escritores 50+ Liliana Wahba Ogro

O alimento dos Ogros, crônica fantástica
de Liliana Wahba

Um promotor de Vitória, Espírito Santo, aconselha a mulher a ‘segurar o facho’ e voltar com o marido que a agride violentamente, acusado de tentativa de feminicídio. Alega que é necessário manter a união da família para proteger os cinco filhos do casal.

O mito Guarani/Kaiowá retrata o Jaguaretê Avá, homem-onça, um ser humano-bicho que aparece nas estradas à noite e ataca viajantes e carreteiros. Originalmente, teria sido um índio de má índole que vivia junto à sua família, até matar sua mãe, o pai e os irmãos, instigado pelo demônio Aña.  Sem nenhum parente, vive solitário nas florestas, amaldiçoado e condenado a comer carne humana.

Promotor e mito … ficção e realidade …

Jovem promissor, ambicioso, prometia um futuro de sucesso e liderança. Bem apessoado, tinha modos que conquistavam as mães de meninas namoradeiras. Às vezes escapava alguma rudeza, tida como segurança no comando.

Mocinha graciosa, prendada, suspirava pelos rapazes atléticos dotados de firmeza de espírito, enrubescia quando cruzavam na rua, nos bailes mal segurava arfadas desejantes, sonhava em ser a escolhida, a única capaz de satisfazê-lo, de preencher todas suas necessidades, de alimentá-lo com amor e dedicação.

Ele se formou em direito, ela aprendeu com a mãe, avós e tias, a cozinhar, bordar, uns acordes no piano, se vestir com elegância discreta, um pouco de história e literatura no ensino secundário. Estava pronta para o casamento, consumada e consumida no altar sacramentado.

O casal era tido como modelo de perfeita união. Em alguns anos ele teve carreira estrondosa, tornou-se promotor. Ela cuidou do lar e dos filhos com mimos e amorosidade. Era a aspiração realizada: sou necessária! Sou única! Meu homem é o mais cobiçado da cidade, as amigas me invejam. Poucas vezes se mostra impaciente, lança palavras rudes; quem não o faz? Tem tanta responsabilidade a carregar …

– Venha aqui, rasteje como cadela no cio, sei que quer dar para todos, se não lhe seguro firmemente, até com brutalidade, não amansa e me põe chifres.

– Apanho, dói, mas ele é somente meu! Me faz agrados à noite. Me diz eres minha, somente minha, no meio de carícias e estrangulamentos.

– Voltei da caçada, escorre sangue de minha boca e te mordo; tens medo de mim? Gostas de lobos? Aqui estou, ainda com fome, alimenta-me com teu corpo.

– Ele mostra que me quer, se eu morrer será no altar da promessa, da consumação divina, da missão perfeita porque soube suportar as pequenezas; sou dele! Inteiramente dele!

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