O medo tem asas de morcego, que eu tenho certeza, mora num canto da garagem. Quando vem o anoitecer, ele aparece. Não como um bicho bate as persianas, arranha a soleira ou grunhe no vão da janela anunciando sua chegada, ele surge de um vulto negro e silencioso que despenca feito pássaro infernal entre o armário das ferragens e o gancho da bicicleta.
A luz noturna da rua, enviesada pela fresta do portão cerrado, corta o chão obliquamente numa reta delgada e comprida. Suspendo a respiração, picoto-a, rezando para que ele não esteja ali. Uma sombra, no entanto, se mexe. Dedos membranosos pulsam na fina luz e a cabeça esquelética, vez ou outra, alastra o perfil de nosferatu nos ladrilhos de cerâmica. O animal escuro se espreguiça para me amedrontar. Lateja ao lado do meu coração encavernado. Súbito, a angústia de que o medo se faça eterno. O medo herdado de todas as reencarnações. Um medo que cimenta minhas entranhas nos ossos.
Clic: a luz incandescente me abençoa. Não me salva, pois sei que, mesmo que ele não esteja ali onde posso pressenti-lo, meu espírito sobressaltado para sempre esperará que ele esteja lá. Minha alma se encolhe e nunca, nunca mais se expandirá para além desse sombrio presságio.
Paulo expressa o medo de todos nós, à espreita, irremediavelmente, inexorável. Nossa alma encolhe nesse sombrio presságio, ahhhh! Que possa expandir, por segundo que sejam …
Paulo, Noturno, o mito (real) do medo que permanece com cada um de nós do nascimento à morte, asas silenciosas de morcego no silêncio diabólico e escuro dos cantos de garagens, porões, sótãos… o escuro no escuro… E clic, a gente acende a luz…Momento de criação?