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Alberto Calixto Mattar e a Montanha Mágica

Notas finais do extraordinário “A montanha mágica”

Há poucos meses escrevi as primeiras impressões sobre esse fenomenal romance do alemão Thomas Mann (1875-1955). Relembre-se que o autor era filho de um comerciante e político germânico que se casara, por sinal, com uma brasileira, Júlia da Silva Brunns, uma mulher de boa cultura e que também deixou seus escritos. Dados biográficos a apontam como uma escritora teuto-brasileira. 

 O maior reconhecimento oficial à carreira de Thomas Mann veio com o Nobel em 1929. “A montanha mágica”, seu livro mais famoso, se tornou um dos maiores clássicos da literatura. Em mais de 800 páginas, reitero que nada lhe soa excessivo. Tudo conduz o leitor a uma profunda viagem ao cotidiano de muitas personagens num sanatório para tuberculosos que ficava nos Alpes Suíços, o Berghof, nas primeiras décadas do século XX.

A admiração que me causou a obra e a densidade de situações a que somos expostos pela leitura me levaram a anotar, como registro de memórias essenciais, muitas das inúmeras circunstâncias narradas.

Como dissera antes, estamos perante a trajetória do jovem e protagonista alemão Hans Castorp, um estudante de engenharia naval que se interna no Berghof para uma estada de três semanas, mas que se prolonga por anos, porque ele próprio deseja ali continuar para viver o que o local lhe oferecia de sensações livres em comparação à vida comum.  

Segundo o posfácio à edição, “A montanha mágica” consiste em uma espécie de romance das ambivalências, dos paradoxos, já que, em um ambiente cuja razão de existir só podia ser a cura da tuberculose, os internos acabam por se entregar ao furor das emoções e dos prazeres. Talvez o risco iminente de vida represente o fio que os conduz às intensidades. Era o que lhes restava.  

Em uma legião, portanto, de personagens enfermos, Hans Castorp fica dominado por aquela atmosfera de tal modo, que, além da cura, ele ambiciona assimilar tudo que as inter-relações com tantos pacientes de mundos e culturas diversas lhe provocam e passa a sentir também uma paixão avassaladora pela russa Cláudia Chauchat.

Por viés paralelo, surgem seus laços com outros dois membros, o italiano humanista Settembrini, e o árabe fervoroso Naphta, que foi residir na região dos Alpes em razão de suas fragilidades pulmonares. Ambos como símbolos da defesa de ideias sempre opostas.

No transcurso da história, os momentos em que Castorp se vê diante de Cláudia, Settembrini, Naphta e outros mais, ou até em solidão, se transformam em quase livros à parte, tão profundos são os sentimentos que lhe despertam as experiências.                  

Entre seus fluxos de consciência bastante reflexivos e a presença de um narrador externo, emergem, assim, as diferenças culturais entre ele e Cláudia, mas que, ao contrário de os afastar, alimentam ainda mais sua paixão. Eis um dos paradoxos que o sanatório lhe propicia.

Já em Settembrini e Naphta, afloram debates sobre inúmeros temas próprios dos mais vastos estudos. Enquanto o italiano valoriza o progresso, a ciência, a matéria, a razão, a civilização e os estados democráticos, o árabe radical a tudo lhe contrapõe, para enaltecer a primazia da fé, da Igreja, do espírito e da cultura oriental, não sem atacar sempre os males da vida burguesa, individualista e capitalista, indicando até a violência como solução.  

 Por ironia às nossas atuais controvérsias de cunho político-ideológico, estar envolto nos dilemas entre Settembrini e Naphta representa mesmo um alívio.

Não há momentos que não avancem ao máximo de detalhes das diversas faces do conhecimento: histórico, político, religioso, artístico, científico, filosófico, biológico, psicológico, orgânico, botânico, geográfico, médico e por aí vai, o que expõe a enorme capacidade de Thomas Mann de transpor as questões para o terreno da literatura.

Uma vez literatura plena, o autor nos deixa livres para degustar toda a riqueza do relato. Como leitores que só podemos ler “A montanha mágica” com entrega absoluta, resta-nos imergir na magia do que nos é oferecido.  

Reproduzo, a propósito, um parágrafo que escrevi no texto anterior: os que pretendem percorrer o infinito universo dos livros e da própria escrita não devem se esquivar desse romance, que significa um grande alcance aos que amam as palavras e a literatura. Uma enormidade não só em extensão, mas de condutas e conflitos excepcionalmente bem retratados. 

O final da obra, que foi escrita por anos e de forma intercalada, coincide com o início da Primeira Grande Guerra Mundial.  O evento acabou se tornando o único motivo que fez Hans Castorp abandonar o sanatório. Aquele jovem tão sensato e racional se sente então pressionado a defender sua pátria numa luta insana.

O narrador nos remete ao fato, à maneira de diálogo com Castorp no campo de batalha em que ocorrem explosões no solo enlameado e sob o escuro do céu.  Há, no trecho, a remissão a seu sentimento por Cláudia Chauchat.

 “Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto em seu reinar, você viu brotar da morte e da luxúria do corpo um sonho de amor. Será que desta festa mundial da morte, e também da perniciosa febre que inflama o céu da noite chuvosa, ainda surgirá o amor? (pág. 827)

Muito mais deve ser sempre dito a respeito desse estrondo de obra. Aqui tento somente trazer o que entendo suficiente para o impulso dos leitores. Não há grandes romances sem grandes personagens.  

Alberto Calixto Mattar Filho é escritor convidado do Clube dos Escritores 50+ e escreve quinzenalmente no jornal diário local e regional Folha da Manhã, de Passos-MG. Essa resenha foi publicada originalmente na sua coluna do jornal ([email protected])

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