Caminhada habitual recomendada pelo médico e sites de saúde, não estava particularmente distraída, ou não mais do que de costume, quando, ao atravessar, não notou que eram duas faixas. Escureceu de pronto. Apenas esboçadas dimensões difusas, a van dos Correios, a batida, sons de ambulância …
Sem documentos nem celular onde iria parar e quem a encontraria? Mas se ali morresse não importava mais, seria procurada, esquecida? Esparsas memórias em lugares reais e irreais, nada de estranhar, sempre assim vivera, entre dois mundos.
O que estaria transportado naquele correio? Encomendas? Cartas de afeto e de ameaças? Presentes e notas promissórias? Se fossem do estrangeiro de quem seriam? Anunciando separações, encontros …
O corpo está desconjuntado, mas não há dor, tornou-se um ser sem membros reconhecíveis. Ecoa algo de muito longe, pulsações; células desenham formas geométricas, flutua.
De quem é esta memória? Adolescentes durante a guerra na Europa, guardas sádicos lhes mostram cadáveres pendurados em ganchos de açougue; não é ela, é sua mãe; encontra-se a mãe quando se morre? Alguma vez separou-se dela inteiramente?
Aconchego, bebês para os quais sussurra cantando, são filhos ou netos, e até os não nascidos. A primeira explosão de prazer, o corpo se abre inteiro, desmancha e refaz, ondas que alargam.
Está na escola, pequena, perdida, a mãe não vem, olha os gatos passando e acalma, a mãe chega. Na faculdade, a prova que durou sete horas; escrevia sem parar, jorrando pensamentos que nem imaginava existirem.
O vazio, flashes, sons, seria um hospital, o limbo? Estava viva ou morta? Como saber?
Que Belo texto, Liliana. Estamos sempre nesses limbos e limiares, às vezes, invisíveis. Parabéns!!
Um acidente, e no não saber se viva ou morta quantos pensamentos… Em alguns instantes uma vida inteira que se passa, passado, presente, como num filme. E o leitor (a), na suspensão poética do texto.
Estranhos limiares esses que nos levam para não sabemos onde…quanta ternura Lili, quanta dor. Lindo texto.