O desafio era escrever “avozices”. Topei. Mas a verdade se impõe e não sou avó. Sou só uma reles dinda. Então lembrei de minha avó. Tive uma só. É pouco. Pouquíssimo. Crianças deveriam ter várias avós, algo como dez ou vinte. Crianças deveriam ser criadas em comunidades gigantes de avós… e avôs. Mas, na melhor das hipóteses, temos apenas quatro. A avó que não conheci morreu antes de meu nascimento e deixou para mim um nome esquisito de que adoro. Gostaria de tê-la conhecido. Gostaria de ter tido duas avós, pelo menos. Mas só posso falar da minha Nona, a avó que conheci.
Branca que nem uma lagartixa albina, ela veio lá da Andaluzia, fugida com o meu avô nos tempos da Segunda Guerra. O avô era um cara de bigodão amarelo de tanto tabaco, uma cara de poucos amigos e posições políticas “um pouco anarquistas”, como dizia meu pai, seu filho caretinha. (Acho que puxei alguma coisa do meu avô). Mas o assunto aqui é a avó. Ela era pequenininha e tinha os olhos puxados, apertados. Só me lembro dela já encurvada, velha, sempre de preto, com um xale bem preso à cabeça e com a mão na massa. Essa é a parte que eu quero contar.
Ela rodava naquelas mãozinhas pequenas uma massa de água, azeite, farinha e sal e fritava, salteando na frigideira: miga. Uma coisa deliciosa. Nunca mais comi nada igual! Cada vez que eu chegava à casinha dela, nos fundos da casa de minha tia, puxava sua saiona desproporcional ao corpo pequeno e pedia: “Nona, faz miga.” E a Nona fazia.
Gostar de vinho também aprendi com ela: era o sagu. Que delícia! Hoje se faz, nojentamente, com açúcar e gelatina colorida, credo. O da Nona era de vinho mesmo, sem açúcar. Além do mais, escondido de minha mãe distraída, ela me dava um fundinho de vinho no copo enquanto fazia o preparo: “toma niña”. E sorria.
Seu rosto e seu sorriso foram sumindo com o tempo, mas lembro de seu “puchero”. Nem sei se é assim que se escreve. Ai ai ai, aquele cozido de grão de bico, com carnes, um pouquinho só de tomate para colorir e as batatas, que ela me deixava experimentar o tempo todo, porque eu não largava aquela saiona dela na cozinha. E depois, enquanto todos estavam comendo e falando de política à mesa, com meu avô dizendo as máximas de um espanhol bem faceiro do tipo: “hay gobierno, soy contra”, a avó já estava fazendo as balas puxa-puxa de coco.
Ela fervia a água e o açúcar com o coco na panela, mexia, remexia, revirava até dar a liga. Depois jogava na bancada de pedra da pia pequenina, esticava bem, deixando a massa fininha. Brilhava! E segurava meu dedo rindo, para que eu não avançasse. Sentava-se comigo no banquinho e contava uma história espanhola que eu não entendia, porque a língua que ela falava era bem esquisita. Mas ela estava só me enrolando, esperando o ponto de puxa da bala. Daí ela dizia: “é agora”.
Íamos as duas para a bancada da pia. Ela pegava uma faca bem pequena, tirava fios da massa da bala e começava a fazer o “puxa”: estirava com as mãos. Era uma mágica. A massa crescia e diminuía nas mãos da minha avó. Depois ela rodava, rodava e rodava a massa até que fazia um grande nó. Jogava na bancada de novo, passava coco fresco, cortava com cuidado milimétrico e punha cada pedacinho num pano de prato branco, branco, muito branco, que parecia novinho. Quando ela me dava um pedaço daquilo, ainda quentinho, eu chegava num tipo de céu infantil. Um paraíso onde só chega quem tem uma avó!