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Parados no meio do rio

 

Por Regina Faria

Começo este post com uma pergunta:

O que fazer quando se perde o próprio rumo?

De um modo geral temos um script. Pode ser rascunhado, escrito a mão ou teclado. Grandes ou pequenas diretrizes. Rotas detalhadas ou apenas indícios de trajetos a seguir.

De um jeito ou de outro, sempre há margens em nosso caminho. Sempre há setas indicando direções possíveis.

Mas há alguns momentos em que os mapas voam com o vento, os marcos se apagam em meio a fortes chuvas, o horizonte se achata pelo peso da bruma e a gente se flagra à deriva.

boat_thomas-dianne-jones

Nestas horas só nos ocorre sentar, ali mesmo onde se está e…

Talvez alguns rezem.

Outros praguejem a própria sorte enquanto golpeiam o ar.

Outros chamem em voz alta o nome dos amigos. Aqueles sempre presentes e sempre a postos.

Outros ainda cantem ou assobiem garantindo a si mesmos que tudo voltará ao normal.

E há aqueles que se colocam em silêncio e esperam.

Não por algo, mas pelo retorno de si próprios.

Sim, porque é disto que se trata.

O que se perdeu foi aquele ser conhecido, familiar.

O eu que apresentávamos ao mundo e a nós mesmos.

Estes momentos são providencialmente raros.

Talvez ocorram uma ou duas vezes na vida.

Raras e intensas são as causas que os deflagram.

É a hora em que o ninho feito em uma das margens do rio se revela vazio.

Não só de filhos e de cachorros.

Mas do sentido que sustentou aquela vida ali.

É a hora em que se resolve entrar na canoa e remar até o meio do rio.

Largar os remos e esperar.

Com calma e em silêncio.

A única aposta se apóia no tempo.

Pode ser curto. Longo.

Extremamente longo.

A vida se mantém com muito pouco.

Até o dia em que a canoa vai rumar para a margem da direita.

Ou para a margem da esquerda.

Ou permanecerá para sempre no meio do rio.

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A imagem na Home é uma cena de A terceira margem do rio, animação de Viviane Faria Gomes.

A foto veio do portfólio no Flickr de um casal, Thomas e Diane Jones, de Oklahoma, apaixonados por botes e caiaques.

Um comentário

  1. Voltar para si próprio é uma viagem assustadora e fascinante. Nunca se volta. Chega-se, sim. Mas como o rio, será outro, a pessoa também não será a mesma. Lindo texto. bj Hilda

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