No escurinho do cinema, por Liliana Wahba

As amigas insistiam: você fica sozinha porque quer! Sozinha, claro, significando sem companhia masculina. Hoje tem os tinder para maduros: par perfeito, coroa metade, novas emoções, amor de idade, plenty of fish (este convidativo como título) e outros, o que está esperando?

Mas os anos passaram e o romantismo grudado como carrapato não deixava apelar para o prosaico, ou promíscuo, percebeu que as palavras são parecidas. Tinha um segredo, guardado como um pequeno tesouro em caixinha de joias, aquelas que tocam uma musiquinha e a dançarina gira.
A cada quinze dias, ia ao cinema desacompanhada, e escolhia filmes de terror ou de guerra com cenas horríveis e sangrentas, ela que só gostava daqueles filmes de amores impossíveis, nos quais se chora e estremece á vontade, sem envergonhar-se de ser chamada de boba e sem receio que os clientes da fria e decidida advogada descobrissem.

Chegava mais cedo e se postava já na sala de espera antes de formar-se a fila. Examinava cada um dos que aguardavam ou iam chegando. Procurava seus alvos: homens sós de aproximadamente 50, estava cada vez mais difícil. Frequentemente algum parecia estar só até a chegada de uma parceiro, parceira, ou grupo festivo. Às vezes dava certo e então começava um verdadeiro ritual de aproximação até sentar ao lado do escolhido, o que exigia habilidade e técnica para troca de lugares com outros espectadores (de todo modo, é um conto). Pois bem, nas cenas dramáticas se jogava em cima do homem dele com gritinhos histéricos. Abreviemos tantos espetáculos desapontadores e ridículos para chegar ao presente.

Avistou um homem, atraente e sem aparência gay e sentou ao lado, o filme era uma guerra em 3D. Ele parecia absorto em algum pensamento antes dos trailers, indiferente à presença dela, e assim se deu no decorrer da exibição até o momento do clímax; a cena mostrava um esquartejamento e ela pulou com os gritinhos habituais, e desta vez o homem a abraçou, atitude tão sonhada e tão inesperada! A cada nova cena impactante o ato se repetia.

Quando o filme acabou e as luzes acenderam ela saiu rapidamente. As amigas, inconformadas com o relato, pois finalmente desvendou seu segredo, quiseram saber o que era isso, que louca, e ela explicou: certamente era um tarado que poderia até mesmo chegar a estripá-la…
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LILIANA LIVIANO WAHBA – Psicanalista junguiana. Profa Dra da PUC-SP. Diretora de Psicologia da Associação Ser em Cena – Teatro de Afásicos. Autora de Camille Claudel: Criação e Loucura.

 

 

Um comentário

  1. Hahaha!!! O desejo não pode ser satisfeito, apavora! E se ele se realizar? Será que é melhor que a fantasia? O que vai sobrar pra desejar? E assim vamos nós…
    De desejo em desejo…

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