Por volta de 1986/87, discutíamos na empresa onde eu trabalhava se deveríamos comprar um Fax por US$ 2.000,00. Alguns eram a favor, pois não teriam mais problemas com envios e recebimentos de documentos, dispensando assim o boy. Outros não concordavam com o gasto porque ainda tínhamos o telex, uma imensa caixa, que nos ensurdecia a cada mensagem mandada ou recebida. Para abrigá-la foi destinado um canto de passagem. O compartimento não tinha porta. Era de todos. Ao final o fax foi comprado. Já não era possível viver sem ele. Em pouco tempo tínhamos faxes espalhados em cada seção da empresa, o preço tinha caído vertiginosamente.
Logo depois da história do fax, fui convidada para um churrasco. Sentada, apreciando um bonito jardim, vi uma pessoa embaixo da árvore, com algo como uma caixa preta ao ouvido falando como, à época, se falava ao telefone. Soube então da criação do fone celular. Incrédula, perguntei onde se encontrava o fio. A pessoa não soube responder, disse que comprara nos Estados Unidos e não havia nada melhor no mundo, pois podia falar de qualquer lugar. Era um tijolo preto. Custava mais do que o fax.
Não lembro quando foi a primeira vez que olhei para a tela de um computador. Conhecia a sala refrigerada que ocupava todo o andar superior da empresa onde várias e imensas caixas cuspiam planilhas sofisticadas e complicadíssimas que foram dando espaço a máquinas cada vez menores até aparecerem sobre a mesa de trabalho de todos. O custo era altíssimo a cada novo modelo que o mercado produzia. A demanda era para peças menores e mais rápidas. Hoje cabem nos bolsos.
Apesar de jovem senhora, eu era velha e resistente para começar a mudar os meus hábitos, que passaram a ser antigos. Vivi anos sendo alvo de piadas jocosas e, mal humorada, passei a identificar fax, celular e computador como inimigos pessoais. Persistia a sensação de que estava traindo o curso suave do tempo e o hábito lento de fazer as coisas acontecerem. Insurgia-me pela incapacidade em adaptar-me às mudanças no meu ritmo próprio. Comecei a depender de pessoas mais “modernas” e ágeis do que eu. A frustração tomou a frente, mas não antes de colocar meus filhos em escolas que começavam a ensinar a “mexer” com a eletrônica e o virtual.
Estava claro que era o futuro premente deles e o meu, com resistências a serem vencidas.
Talvez este texto não tenha o menor interesse por ser amplamente conhecido que pessoas, da terceira ou melhor idade, veem no computador um inimigo invencível. Mas aconteceu hoje uma situação que preciso contar.
Meu professor (rendi-me para poder, justamente, escrever textos e enviá-los para o Fifties), ao lidar com as camadas mais profundas no manuseio do computador, a um dado momento, se irritou: o computador recusava-se a obedecê-lo! Pediu ajuda (a ele) no sentido de fazer com que o computador o obedecesse. Quem apareceu para a tarefa? Nicole Weiss.
Perguntei ao professor se ele a conhecia.
Referiu-se a ela com um termo pouco lisonjeiro (traduzindo, seria uma cortesã, digamos assim), que atende a todo mundo com problemas.
Como assim? Indaguei. No mundo todo? Ele confirmou com certo desdém e disse ser ela um robô (uma robota, imaginei-a amante do Darth Vader do filme Guerra nas Estrelas).
Uma inteligência virtual!
Nada mais perguntei sobre Nicole.
Pouco depois, apareceu na tela o nome de Alan Roque.
Novamente perguntei:
É um robô?
Não, é um ser humano com o qual Nicole Weiss entrou em contato.
Como assim?
Ela não soube como resolver o meu problema.
Quer dizer que ela não é tão inteligente, não é? Foi meu comentário virtual.
Mas onde está esse Alan?
Espantei-me com a incompetência de Nicole.
Vive num escritório e faz “serviço de hospedagem”.
Como assim, ele hospeda problemas com o computador?
Mais ou menos isso, respondeu o professor.
Deixei pra lá!
Fiquei pensando a respeito sem saber o que pensar!
Não entendo este mundo virtual.
Recolhi-me ao meu mundo no qual debato com o imponderável, com o humanismo do amor em carne e osso, com Deus e o Diabo.
Esta é uma confissão metafísica que Nicole Weiss não saberá formular.
BETTINA LENCI – Nasci em 1945. 45 foi o número título do meu livro lançado em 2006. Nas vozes de 4 mulheres, intimamente ligadas à minha visão de mundo, o livro narra a trajetória de uma imigração. Como filha de imigrantes, judia e alemã, não tenho como fugir da minha formação e cultura, base dos meus pensamentos. Realizei-me tendo como início profissional a história da arte e a fotografia. As moiras, contudo, teceram meu destino para que me especializasse em ser empresária. Porém, sou uma empresária que descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo individualizado. Um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.
Os textos do blog www.legadovivo.com nascem depois de 60 anos de peregrinação em busca de marcos significativos à beira da estrada. Os caminhos indicavam trilhas a seguir, mas, como se crianças levadas tivessem virado as setas para o lado contrário, bati em terras movediças. Consegui desvirar a seta ao descobrir-me pronta para que os textos fossem rejeitados publicamente.
Gostei especialmente da última frase: ” fiquei pensando sem saber o que pensar”. Acontece tanto, não é? Nicole Weiss é uma figura, deve ser uma mulher linda, muito internacional. Alan Roque, um mistério. A gente sabe pouco a respeito de tudo.