As agruras de quem precisa recorrer à operadora quando a internet dá problemas.
“Não está no Sistema”, foi a resposta que ouvi durante quinze dias ao tentar resolver meu problema de internet.
Duas semanas e quinze protocolos depois, foi esse o tempo que uma operadora levou para trocar um modem inutilizado.
No decurso do tempo despendido e na tentativa de distrair-me, tentava perceber se os atendentes falavam português ou outra língua próxima. Foi difícil descobrir. Ao fundo, ruídos estranhos parecidos com vozes ininteligíveis só me permitiam entender : “Senhora, não está no sistema”!
Descobri que eu falava com Jaboatão dos Guararapes, PE.
O Sistema passou a me tirar o sono. A conversar sozinha, a brigar com a minha mansa cachorra. Na rua, sentia-me assombrada pelo Sistema e fiz uma analogia com o livro 1984, de Aldous Huxley. Passei a admirá-lo pela sua percepção futurista, admiração que não tive quando o li, incomodada com a possível interferência maciça na minha independência.
Tentei inserir-me no Sistema através de ameaças e mentiras deslavadas sem efeito algum, pois conversava com os atendentes do call center que nada podiam fazer por mim a não ser responder pausadamente ante minha ira: “ Senhora, não está no Sistema”!
Agora vou contar porque eu não constava do Sistema.
Mudei há 3 anos. Na época, pedi a troca de endereço e devolvi os aparelhos. Foram instalados outros no novo endereço sob o nome de meu marido. Acontece que o Sistema não registrou a troca dos aparelhos, enviando as faturas para o endereço novo, em meu nome. Durante todo o tempo paguei a conta que não era minha, mas chegava no meu endereço:
(Primeiro erro da operadora: não cancelar o endereço e os números dos aparelhos. Primeiro erro meu: confiar na operadora)
Conclusão desta etapa inicial: todos os técnicos prometidos e prestimosos batiam na porta do endereço antigo – lembrem que a conta chegava onde moro hoje!
Um dia, por artes do demônio, o zelador antigo lembrou-se de mim e mostrou onde eu morava. O técnico finalmente chegou até minha casa e diagnosticou que a numeração dos aparelhos existentes não batiam com os números que constavam no sistema.
Para não me prolongar, achei que havia chegado ao final do drama de duas semanas quando ontem, finalmente, vieram fazer a vistoria necessária para confirmar que os técnicos não haviam dado conta do serviço. Contudo o moço precisava da autorização devida para trocar o moden. Foi embora, garantindo que outro técnico viria para instalar o substituto que, entendi, seria compatível com o Sistema. O técnico prometido veio e finalmente o instalou ontem mesmo.
Saltitante, fui até a telinha, segura que poderia voltar ao meu trabalho de tradutora juramentada, dependente absoluta da internet.
Mas… não foi o que aconteceu. Mais um telefonema para o 1062, o décimo sexto protocolo para ouvir mais uma atendente, com sotaque de difícil compreensão, responder que não está no Sistema. Chorei buscando compreensão para o meu desespero junto à Lola, minha cachorra deitada, silenciosa ao meu lado, sem entender porque tanto lamento.
Nesse momento, o técnico inspetor (acima do técnico da vistoria) se encontra no meu escritório tentando identificar – com seu superior em Jaboatão dos Guararapes – porque o novo aparelho não funciona.
Resultado – ainda sem final feliz – da incompetência (aqui não sei se do Sistema ou do Homem):
Três técnicos foram no endereço errado.
Um técnico veio apenas confirmar se o endereço novo estava correto.
Cinco técnicos vieram no endereço certo e todos informaram que a numeração dos aparelhos não batia com os registros no Sistema.
Um técnico para vistoria.
Um técnico para instalar um novo aparelho (incompatível com o Sistema).
Um inspetor que se encontra, neste momento, no meu escritório para resolver. Será mesmo?
Não haverá necessidade de um segundo capítulo para essa crônica? Seria desonesto não satisfazer vossa curiosidade sobre o seu desfecho.
Estou novamente dependente da internet, funcionando em tempo real e assim sendo já estou enviando este texto para o Fifties.
BETINA LENCI – Nasci em 1945. 45 foi o número título do meu livro lançado em 2006. Nas vozes de 4 mulheres, intimamente ligadas à minha visão de mundo, o livro narra a trajetória de uma imigração. Como filha de imigrantes, judia e alemã, não tenho como fugir da minha formação e cultura, base dos meus pensamentos. Realizei-me tendo como início profissional a história da arte e a fotografia. As moiras, contudo, teceram meu destino para que me especializasse em ser empresária. Porém, sou uma empresária que descobriu que lendo e escrevendo é possível criar um mundo individualizado. Um mundo com um olhar agudo sobre o cotidiano de todos nós.
Os textos do blog www.legadovivo.com nascem depois de 60 anos de peregrinação em busca de marcos significativos à beira da estrada. Os caminhos indicavam trilhas a seguir, mas, como se crianças levadas tivessem virado as setas para o lado contrário, bati em terras movediças. Consegui desvirar a seta ao descobrir-me pronta para que os textos fossem rejeitados publicamente.